A velha pergunta que relativiza toda ética questionando “quem define o bem e o mal?” recebe uma resposta corajosa, prática e concreta nesta parashá.

O texto começa (Deuteronômio 11:26) indicando que a bênção e a maldição, que mais tarde (capítulo 30, parashat Nitsavím) serão definidas como o bem e o mal e a vida e a morte, estão em nossas mãos. Ao longo da parashá se detalham leis de ajuda social. Ou seja, a ajuda social seria uma forma do bem e, a indiferença, do mal. Aparentemente se trata de sensibilidade e empatia básicas, que se traduzem em um assistencialismo básico: enxergar os vulneráveis e atender suas necessidades. Entretanto, uma leitura mais apurada revela algo muito mais profundo: o mal incluído em ajudas insuficientes.

Assim como não é suficiente não ser racista e devemos ser antirracistas proativos, assim como não basta não ser violento com as mulheres e devemos combater a violência contra a mulher, não basta não explorar diretamente o indefeso, nem é suficiente providenciar necessidades básicas para tirá-lo dessa situação. A parashá diz que não é suficiente liberar um vulnerável de uma dívida ou de qualquer outra prisão. Devemos providenciar as condições para que não precise de novas dívidas. Devemos brindar recursos que lhes permitam resgatar ou criar sua autonomia. Financeira e, antes, humana. Devemos ajudá-lo a acreditar nele e nas suas capacidades e, para isso, nós precisamos acreditar nelas. 

Nossas ajudas geralmente ficam muito longe de alguma transformação do ajudado, talvez porque não acreditemos o suficiente na possibilidade de mudar de verdade. Nem na nossa possibilidade, nem na dos destinatários de nossas ajudas.

A parashá insiste em chamar a todos de irmãos: aos que dão e aos que recebem. Aos ricos e aos pobres. Como aos reis, aos profetas e aos juízes. Talvez para resgatar a igualdade humana de todas as partes

No mês passado, em duas lives do rabinato, aprendemos com um ex-presidiário e com um ex-morador da rua algo da complexidade dessas situações: elas nem começam a terminar quando o primeiro sai da cadeia e o segundo recebe um abrigo, uma roupa e uma comida. São necessárias documentação, profissão, contatos, oportunidades, um local onde morar, saúde física, mental e social. Antes de querermos ajudar, precisamos enxergar a humanidade do ajudado, vê-lo como se fossemos nós mesmos, imaginá-lo assistindo um filme, lendo um livro, escutando uma música, amando. Não apenas subsistindo. A parashá insiste em lembrar que nós fomos escravos para que possamos nos ver neles.

Antes da pandemia, a CIP começou a desenvolver um projeto com esse objetivo: reconhecer a humanidade própria a partir do reconhecimento da humanidade das pessoas em situação de rua. Foram os jovens adultos do MOV, junto aos Jovens sem Fronteiras, os nossos pioneiros. São advogados, médicos, artistas e psicólogos jovens. A partir de agora toda a comunidade está convidada a participar. Contamos com você. 

 

Shabat Shalom,

Rabino Ruben Sternschein