Luz e escuridão

 
A penúltima praga, descrita nesta parashá, Bo, foi choshech, uma escuridão absoluta abateu a terra do Egito deixando seus cidadãos desorientados. Na contramão da luz da criação do mundo, da luz da libertação e a luz do Shabat, o Egito foi vitimado por uma profunda escuridão.
Na mitologia egípcia, o nascer diário do sol representava uma vitória deste astro sobre Apophis, a personalização da escuridão. A praga da ausência de luz foi uma mensagem poderosa para os escravizadores que acreditavam que o sol era o deus mais poderoso do universo. O castigo da escuridão fez com que os egípcios reconhecessem a impotência de seu maior deus, o deus sol, diante do Criador do Universo.
Contra todas as outras pragas, nada poderia ser feito. Mas contra a escuridão uma vela poderia ter sido acesa. O que então aconteceu? Por que os egípcios não acenderam tochas durante três dias?
Talvez não se tratasse de uma escuridão física, talvez fosse uma escuridão espiritual. É interessante notar que a palavra melancolia vem do grego e significa humor escuro. Pessoas melancólicas têm dificuldade de dar um passo adiante ou preocupar-se por mais alguém além delas mesmas, assim como aconteceu com os egípcios.
Talvez os egípcios estivessem abatidos pela percepção de que seu conforto e segurança dependiam da escravidão de outras pessoas.
A escravidão é uma forma de escuridão. A mensagem da nona praga é a de que, ao contrário do que pode parecer, são os escravizadores que vivem na escuridão enquanto que os escravizados podem manter a lucidez representada pela luz. O oprimido pode enxergar com nitidez enquanto que a opressão é a fonte de cegueira do próprio opressor. Subjugar o próximo é abrir mão da própria luz. É jogar a si próprio num calabouço escuro.
Por outro lado, aquele que liberta não apenas presenteia o outro com a luz, como também se torna beneficiário desta mesma claridade. A educação é uma fonte de luz para educador e educando, o médico que busca a cura enfrenta as trevas e se beneficia desta mesma claridade. Não é por acaso que o termo escolhido para a criação de uma nova vida é “dar a luz”.
Que o acendimento das velas, a cada Shabat, nos dê força para vencer toda forma de escuridão. Que este ato simbólico de recriação do universo seja uma oportunidade semanal para pensar em nossa responsabilidade enquanto pessoas livres.
Que possamos enfrentar com coragem aquilo que é obscuro dentro de nós e ajudar o outro a reconhecer sua própria luz.
Shabat Shalom!
 
Rabino Michel Schlesinger