Quando confiamos em um médico, seguimos suas orientações mesmo sem conhecer todos os componentes de determinado medicamento e seu efeito em nosso organismo. Quando aceitamos um novo trabalho, não sabemos como será nosso relacionamento com os colegas da empresa, e muitas vezes desconhecemos os detalhes da função que será assumida. Quando entramos em um relacionamento amoroso, temos esperança de que dará certo, mas pouco sabemos acerca do que efetivamente irá acontecer.

Existe uma força que move o ser humano e que o faz ter esperança. Por algum motivo, cremos no sucesso de nossas empreitadas mesmo antes de iniciá-las e conhecer seus pormenores. Levantamo-nos todos os dias de nossas camas e iniciamos nossa jornada, embora nunca saibamos o que realmente nos espera.

Quando os Filhos de Israel deixaram o cativeiro egípcio, iniciaram uma viagem rumo ao desconhecido. Contavam com a liderança diligente de Moshé e a segurança física de Deus, que os protegia e lhes provia água, comida e roupas. No entanto, o futuro era incerto. Não sabiam quantos anos teriam de vagar pelo deserto e também desconheciam detalhes de seu destino final.

Mesmo assim, os hebreus despertavam-se todos os dias e seguiam adiante. Alguma força mágica os auxiliava na longa caminhada e fazia com que a esperança movesse seus corpos, mentes e corações.

Não foram raros os momentos de dúvida e medo. O povo reclamou por diversas vezes de sede e se queixou outras tantas de fome. Chegaram a dizer que eram mais felizes como escravos do Faraó no Egito. No entanto, não deixaram de seguir adiante. As incertezas assombravam, mas nunca os impedia de continuar. 

Foi então que o povo, aos pés do Monte Sinai, pronunciou sua maior declaração de fé. “Col asher diber Adnai Naasê Venishmá”, “Tudo o que disse o Eterno, faremos e escutaremos”. Por meio dessas palavras solenes, o povo compromete-se a cumprir as palavras de Deus.

Nossos sábios interpretaram a declaração do povo com uma demonstração absoluta de fé. Os rabinos viram na sequência das palavras “Naasê Venishmá”, “Faremos e escutaremos” uma disposição de cumprir os preceitos Divinos mesmo antes de compreendê-los.

Tivesse o povo declarado “escutaremos e faremos”, já seria esta uma declaração de fé. O povo estaria disposto a ouvir atentamente as palavras de Deus e também realizá-las. Contudo, a declaração é ainda mais contundente pois, por meio dela, os Filhos de Israel comprometem-se a fazer e somente então escutar, ou seja, compreender. 

O Talmud nos traz uma visão interessante sobre essa passagem. Rabi Elazar disse: “Quando Israel pronunciou “naassê” antes de “venishmá”, uma voz celestial surgiu e falou – “Quem revelou este segredo, que é conhecido dos anjos, aos Meus filhos? Apenas os anjos sabem que é preciso comprometer-se para depois escutar”.

Essa pequena passagem traz uma enorme contribuição para a compreensão das palavras dos Filhos de Israel ao pé do Monte Sinai, e também uma importante lição para todos nós.

Naassê venishmá” não deve ser compreendido como uma declaração infantil de fé cega e absoluta. Pelo contrário, “faremos e escutaremos” é uma receita que, até então, era conhecida apenas pelos anjos e passou a pertencer a todos aqueles que estão dispostos a aprender essa poderosa lição.

Primeiro precisamos nos comprometer para depois conseguir escutar. Apenas depois que nos comprometemos com nossa herança judaica e o destino do nosso povo, somos capazes de escutar acerca dos caminhos para realizar esta missão. Só depois que nos comprometemos com a construção de uma sociedade mais justa, escutamos os necessitados e buscamos meios para ajudá-los. A falta de comprometimento nos torna surdos, enquanto que o compromisso com uma causa nos garante a capacidade de ouvir.  

Que as palavras “naassê venishmá” sirvam de inspiração para todos nós, e que saibamos aproveitar a lição que só os anjos conheciam. Que tenhamos a capacidade de assumir compromissos nobres para que recebamos o dom de escutar.

 

Shabat Shalom,

Rabino Michel Schlesinger