Um chazan foi interrompido e calado publicamente por acrescentar louvores a Deus. O rabino explicou que nem os calificativos inclusos na reza seriam mencionados se não aparecessem na Torá. Porque nunca alcançaremos a descrição do divino com nossa limitada compreensão e, portanto, toda tentativa seria sempre uma diminuição — ou seja, uma ofensa. 

Acredito que existe uma razão maior ainda: a mera suposição de que Deus poderia precisar, querer ou gostar de elogios já é, em si, essa blasfêmia, pois sugere a insegurança e a fraqueza em Deus. Os grandes pensadores judeus sustentaram que nada podemos dizer de Deus, porque não podemos conhecer Deus mas, principalmente, porque Ele é tudo e não precisa de nada.

Qual é a função das práticas religiosas então? Melhorar o mundo e as pessoas, mas nunca servir ou dar algo a Deus, pois tudo é de Deus, e Ele não precisaria de nada.

A parashá da semana mostra isso logo no começo. O mandato que abriu a parashá passada dizendo “peguem uma doação para mim” é substituído esta semana pela ordem a Moisés: “Você ordene que peguem para você azeite, para elevar a chama constante”

Ao longo dos séculos foram levantadas todas as questões dessa frase:

  1. Por que deve ser Moisés quem ordena, e não poderia Deus fazê-lo diretamente?
  2. Por que devem pegar azeite, e não trazer o azeite que já têm?
  3. Por que Deus precisa do azeite das pessoas, sendo Todo Poderoso, para acender o fogo?
  4. O que significa e como funciona uma chama constante?

Também as respostas foram dadas:

  1. Moisés ordena porque são os humanos que precisam procurar e criar luz.
  2. Devem pegar, e não simplesmente trazer, para lembrar que nada possuem realmente. De fato, tudo que temos apenas passa por nós, mas não é nosso. Existe antes e continua depois de nós. Possuir é uma fantasia, talvez uma armadilha. Bens, qualidades e até vínculos. Não são nossos. Nos são dados, diz esta explicação, para nos entregar com eles a oportunidade de fazer diferenças com eles e através deles. Como se Deus, a natureza, a história e a existência brincassem de que temos algo por um tempo, apenas para ver o que fazemos com o que nos é dado. Como somos com e sem eles. Como administramos e transformamos? Compartilhamos? Escondemos? Melhoramos? Estragamos? 
  3. O pedido do azeite representa essa “brincadeira”, uma vez que Deus, sim, dispõe de tudo e não precisa de nada. São os humanos os que podem usar o azeite das inúmeras formas acima mencionadas — e também para iluminar, esquentar, compartilhar, elevar, gerar luz em outros e dentro de si.
  4. A chama constante, ou ner tamid, é aquela luz sempre acesa nas sinagogas ativas representando isso tudo. Fisicamente, a necessidade de manter a vida e a vitalidade de tudo que a sinagoga representa: espiritualidade, comunidade, responsabilidade social, aprofundamento, sensibilidade. Metaforicamente, a constância da chama expressa a eternidade de tudo, anterior e posterior a nós, e o fato de que a vida nada mais é do que uma oportunidade de contribuir e receber ao ser parte.

Que possamos encontrar, em todas as circunstâncias e em tudo que passa por nós, as fontes para nossa contribuição no acendimento da chama constante que dá sentido à nossa existência.

 

Shabat Shalom,

Rabino dr. Ruben Sternschein