Como parte da preparação espiritual que precede Rosh HaShaná e Iom Kipur, tornou-se tradicional nos últimos dois séculos lermos o Salmo 27 durante os serviços religiosos da manhã e da noite. Ao longo das últimas semanas, temos feito isso no minián online da CIP, alternando entre leituras do Salmo completo e melodias que focam em alguns poucos versos. Uma dessas melodias chama nossa atenção para o 8º versículo do Salmo, que afirma: “Lechá amar libí: bacshú Panai, et Paneicha, Adonai, avakesh”; “Em Teu nome, meu coração diz: ‘Busquem Minha face!’ Adonai, eu busco a Tua face.” A primeira metade do verso seguinte aprofunda esse pedido, quase como se fosse uma súplica: “Al taster Panêchá mimeni”; “Não esconda a Tua face de mim.”

A ideia de Hester Panim, de que Deus passou a esconder Sua face e a agir no mundo de formas mais sutis, é bastante presente no pensamento judaico. Se na saída do Egito ou na Entrega da Torá, por exemplo, Deus Se fez presente de forma explícita e aparente, nas histórias de Purim e de Chanucá precisamos investigar a narrativa com cuidado para notar os sinais da presença Divina. Também nas nossas vidas há momentos em que conseguimos sentir a presença próxima de Deus, e outros nos quais precisamos aguçar nossos sentidos, olhar com cuidado e atenção para buscar a Presença nos detalhes.

A parashá desta semana apresenta uma lista de bênçãos e maldições que recairão sobre as pessoas, dependendo do seu comportamento. Serão amaldiçoados na sua saúde e na sua prosperidade financeira, por exemplo, quem subverter os direitos do estrangeiro, do órfão e da viúva, ou quem encaminhar um cego na direção errada. Quem, por outro lado, cumprir as mitsvót, receberá imensa prosperidade e estará sempre no topo. Uma lógica de justiça, na qual os resultados auferidos estão diretamente relacionados à conduta ética, permeia a promessa Divina.

Nossa observação do mundo, no entanto, frequentemente não se adequa a essa clara relação entre a forma ética com que as pessoas conduzem suas vidas e os resultados que recebem. Todos nós conhecemos exemplos de pessoas extremamente boas, verdadeiros tsadikim, que, no entanto, encontram imensas dificuldades para pagar todas as contas ao final do mês ou têm dificuldades de saúde. E também sabemos de histórias de pessoas que, apesar de não pautarem seu comportamento de acordo com os mesmos padrões éticos, colhem sucesso e reconhecimento. Mais do que outros aspectos de Hester Panim, esse se revela e nos incomoda permanentemente. Para muitos, essa falta de justiça é, em si mesma, motivação de deixarem a busca por um caminho ético

Existe uma outra abordagem possível. Para além do Deus externo, podemos focar na fagulha Divina que reside em cada um de nós. Com a chegada de Rosh HaShaná e de Iom Kipur, ao reconhecermos nossas vulnerabilidade e nos encontrarmos com nossa própria mortalidade, é essa centelha que nos motiva a seguir o caminho correto, da empatia, da justiça, da verdade e da inclusão. Apesar dos nossos esforços, é possível que a inscrição no Livro da Vida ou no Livro do Sucesso nem sempre dependa exclusivamente da nossa conduta, e que muita coisa dependa apenas do acaso, mas o que se abre à nossa frente a cada novo ciclo é a possibilidade de escrever a forma como viveremos nossas vidas e garantir que, ao seu final, tenhamos orgulho dos caminhos que escolhemos. Assim como a fagulha divina é interna, a recompensa pela honestidade na conduta das nossas vidas não é externa, ela está na própria forma como vivemos. 

Que, frente a um mundo que ainda não é inteiramente justo ou ético, e no qual bênçãos e maldições muitas vezes se confundem, continuemos buscando a face de Deus e revelando o Divino de seus lugares escondidos.

 

Shabat Shalom,

Rabino Rogério Cukierman