Um versículo em toda a Bíblia

Quinze anos atrás eu estava realizando as provas finais no seminário rabínico Schechter quando fui informado que deveria escolher um versículo para ilustrar meu certificado de ordenação. Isso mesmo, de todo o Tanách, eu deveria eleger um único versículo que sintetizasse aquele meu momento de vida. A tarefa parecia impossível. 

Depois de me debruçar com carinho sobre diversas possibilidades, escolhi a seguinte passagem: 

Miquéias 6

(8) A ti foi dito, ó homem, o que é bom e o que o Eterno exige de ti: somente que saibas agir com justiça, amar a benevolência e caminhar discretamente com teu Deus.

Naquela época me pareceu que esses seriam os principais desafios que eu enfrentaria como rabino e, da mesma maneira, esses seriam os desafios que todos nós enfrentaríamos como seres humanos. 

Agir com justiça é muito difícil. A busca constante do equilíbrio entre a severidade por um lado e a leniência por outro é extremamente complexa. Quando julgamos a nós mesmos também corremos o risco de exigir de nós uma atitude sobre-humana ou sermos condescendentes com aquilo que não deveríamos.

Amar a benevolência significa buscar, de forma incessante, fazer o bem. Perguntar-se constantemente, a cada oportunidade, como posso ajudar? De que forma minha atitude pode impactar a sociedade para que ela seja melhor? Ser benevolente consigo mesmo é se libertar, permitir a ousadia, a criatividade, a inovação, olhar o próprio erro com o carinho.

Finalmente Michá nos desafia a caminhar discretamente com teu Deus. Rashi, comentarista francês do século 11, interpretou Havei Tsanua – seja humilde. Talvez seja esse um dos maiores desafios humanos. Existe um lado em cada um de nós que prescinde do aplauso. Queremos o elogio, o destaque. Nosso valor parece não brotar daqui que somos ou fazemos, mas do conceito que o outro tem de nós.

O intérprete contemporâneo da Torá, Ieshaiahú Leibowitz, nos chama a atenção ao fato de que em nenhum lugar na Torá está escrito que Moisés era mais sábio que os outros homens, também não está escrito que ele era mais honesto, ou mais poderoso que os outros. No entanto, segundo Leibowitz, a Torá sentiu necessidade de destacar uma única característica que aprendemos em Behaalotechá, a parashá desta semana, Moisés era mais humilde que qualquer outro homem. Humildade é, sem dúvida, um nível muito alto na busca do aperfeiçoamento humano que nunca acontece gratuitamente.  

Quinze anos depois de ter escolhido um versículo do profeta Michá para adornar meu diploma de conclusão dos estudos rabínicos, continuo convencido que essess são alguns dos nossos maiores desafios como seres humanos.

Que sejamos capazes de agir com justiça buscando um constante equilíbrio entre rigidez e leniência, com os outros e conosco. Que possamos amar a benevolência assumindo uma postura libertadora em relação a nós e prestativa para com o mundo. Finalmente, que possamos ser pessoas mais seguras do nosso valor sem aguardar que este seja ditado pela plateia que, eventualmente, nos aplaude. Então, seremos capazes de alcançar a humildade que destacou Moshé de todos os outros.

 

Shabat Shalom

Rabino Michel Schlesinger