Dar e receber
Dar e receber parecem duas caras da mesma moeda. Movimentos complementares de um mesmo tipo de personalidade. Porém, nem sempre conseguimos explicar como e porquê. O saber popular diz que dar é receber e vice-versa. A festa de Shavuót pode contribuir com esse raciocínio. Ela é a grande festa do dar e receber ao mesmo tempo.
Segundo contam, a festa no princípio era somente chamada de “Chag HaBicurim” e nossos antepassados agricultores celebravam a colheita dos primeiros frutos. Porém, as primeiras colheitas não se tornavam alimentos para suas casas, e sim, eram levadas para o templo de Jerusalém para doar e dividir com a comunidade. Desse modo, acontecia um encontro primário entre dar e receber: o agricultor reconhecia que o campo lhe deu os frutos, em tributo ao seu próprio trabalho. Ele deu de si à terra e recebeu em retribuição. Do mesmo modo, ao entregar com generosidade o fruto de seu trabalho ao bem comum recebia os frutos dos trabalhos dos demais.
Mais tarde a festa ganhou um aspecto histórico: a entrega da Toráh. Desse modo, de novo se juntaram o dar com o receber. A Toráh foi dada ao povo, mas foram as pessoas que se doaram a si próprias ao se escolheram para serem as receptoras da Torá. E voltamos a recebê-la a cada vez que a re-lemos com novos olhos, com suas novas perguntas e novos contextos. Cada vez que explicamos a Toráh a alguém de um novo modo, damos e recebemos a Toráh de forma nova. Sempre que entregamos alguma coisa, recebemos algo de volta: a reação do outro e a nossa, no mínimo. Ficamos transformados pelo ato de dar, pelo movimento em direção ao outro, pela generosidade de sair, dividir, expor e voltar. Por outro lado, nada recebemos realmente daquilo que nos é dado (presentes, conselhos, amor e conhecimento) a não ser que nos abramos a receber. Nós recebemos apenas o que nós nos damos do que nos dão. Receber é um ato ativo.
Finalmente, não é estranho que o dar e receber estejam tão vinculados, pois ambos, em última instância necessitam das mesmas características humanas: humildade e amor próprio, em doses equilibradas. Para dar precisamos humildade para poder ver aos demais e amor próprio para acreditar que temos o que dar. Acreditar que a nossa contribuição vale. Para receber precisamos de uma dose de amor próprio para aceitar que merecemos e humildade para aceitar que necessitamos aquilo que não temos.
É assim como Shavuót, como festa agrícola e matan Toráh como festa histórico-religiosa nos mostram uma possibilidade da conexão interna entre o dar e o receber.
Chag Sameach
Rabino Dr. Ruben Sternschein