A próxima semana será marcada pelo Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto decretado pela ONU, que neste ano comemorará 76 anos da entrada do exército aliado no Campo de Auschwitz. Entrada, não libertação, pois quem lá estava seria para sempre uma vítima que teria perdido parte de si junto aos assassinados.
O fórum da Shoá do ano passado foi sediado por Jerusalém e contou com a presença inédita de reis, príncipes, presidentes e ministros que encabeçaram mais de 50 delegações. À época, todos enfatizaram a importância de lembrar as vítimas e combater o antissemitismo, fortalecido na atualidade, como um mal que atinge a humanidade toda. Uns assinalaram a luta como ferramenta, outros a legislação, outros a educação e outros o diálogo.
Em Israel todas as visitas oficiais começam no Yad Vashem, como se houvesse alguma conexão entre a Shoá e a criação do Estado de Israel. O povo Judeu precisaria de uma justificativa para poder contar com um país? Foi preciso ser vítima de semelhante atrocidade para merecer o que outros povos têm naturalmente? E a Shoá em si atribui algum direito igual ou maior? Algum dever? O povo que sofreu a Shoá teria que ser mais ético e humano ou justamente poderia ser menos humano e contar com algum “desconto” por ter sofrido mais? Teria mais direito de não confiar? De se defender? Pode-se exigir dos judeus mais empenho na defesa dos Direitos Humanos de outras minorias?
Em 2020, o presidente Rivlin assinalou que “Israel não é uma compensação pela Shoá, é nossa casa. Aqui nascemos. Aqui vivemos por pleno direito. Como outros povos habitam suas casas e vivem suas vidas. Com erros e acertos. Com direito a errar e a acertar”.
Na parashá desta semana antes de sair do Egito os hebreus pedem ouro, prata e outros bens de seus vizinhos, como se fosse um empréstimo por mandato divino. Ao longo dos séculos esta ação foi explicada por muitos como a retirada do salário que Egito roubou deles nos anos de escravidão. Outros questionam a falta de transparência de todas as partes reclamando que deveriam ter sido honestos e exigir o que lhes correspondia.
A imoralidade de seu agressor não justifica a sua, não faz você nem mais, nem menos digno do dever e do direito da retidão. Nem a você, nem a seu agressor. Nem de sua retidão, nem da dele. Cada questão tem seu contexto de valores e não deve ser vista como um mercado de negociações. A Shoá é talvez a pior das atrocidades perpetradas pela crueldade humana. Deve ser lembrada, ensinada e combatida com todas as ferramentas. Como toda maldade humana. A ética, a retidão, os Direitos Humanos são um dever de todos os povos e todos os indivíduos para com todos os povos e os indivíduos igualmente.
Também nossa CIP já foi visitada no passado por altos mandatários nacionais e internacionais e por alguns correligionários somente no aniversário de nossa pior tragédia. No dia em que somos vítimas.
Ano a ano nos empenhamos em fazer as homenagens mais dignas e impactantes. Talvez devamos encontrar o modo de celebrar com igual nível as virtudes do judaísmo e de Israel, sua luz, suas conquistas, suas pendências e desafios e seu comprometimento essencial e eterno com os direitos e deveres humanos de todos.
Shabat shalom,
Rabino Dr. Ruben Sternschein