Eu li uma vez um livro cuja tese central é que homens e mulheres operam de acordo com modelos mentais distintos. Em um dos primeiros exemplos do livro, a esposa pergunta se eles podem ir visitar sua família no final de semana e o marido responde que eles podem, se ela quiser. Ela se ofende, entendendo que ele está tratando a questão como uma concessão a ela e ele não consegue entender por que ela está ofendida se ele concordou com o pedido que ela havia feito. Apesar das generalizações de gênero, os exemplos dados no livro eram interessantes para entender como pessoas cheias de boas intenções e sem motivos efetivos para discórdia podem entrar em conflito simplesmente por falhas de comunicação — porque operam de acordo com modelos mentais distintos e preenchem as lacunas em branco que toda comunicação tem, baseados em seus próprios pressupostos, e não nos da pessoa com quem estão conversando. 

Na parashá desta semana, temos um desses exemplos de falha de comunicação que quase termina em um grande conflito. O povo de Israel está chegando à Terra Prometida e as tribos de Reuven e Gad abordam Moshé com uma proposta: como eles tinham bastante gado e tinham percebido que a terra ao leste do rio Jordão era adequada para a criação de animais, eles pediam para receber porções de terra neste território ao invés do território a oeste do Jordão, no qual eles estavam prestes a entrar.

A resposta de Moshé foi bastante forte em rejeitar a proposta. Assumindo que o pedido vinha acompanhado da intenção de não cruzar o rio Jordão com o resto do povo e, desta forma, não fazer parte dos esforços de guerra do qual todos esperavam que eles participassem, Moshé estabeleceu um paralelo entre a conduta das duas tribos e aquela dos dez enviados para investigar a terra que voltaram falando da impossibilidade de conquistarem o território que Deus havia lhes prometido e, desta forma, tinham convencido o povo de Israel que melhor seria morrer no deserto ou voltar para o Egito.

Em sua proposta, no entanto, as tribos de Reuven e Gad não se recusavam a marchar com as demais tribos e a ajudar a conquistar a terra de Israel. Seu pedido, como esclareceram na sequência, era para que, uma vez tendo conquistada toda a terra, que eles pudessem receber os territórios a leste do rio Jordão.

Muitas vezes cometemos esse mesmo erro. Assumimos, sem perguntar, as motivações de outras pessoas ou a entonação incorreta para algumas expressões. Muitas vezes, uma vírgula mudaria completamente o significado de uma frase e, sem ter percebido isso, saímos agindo, acreditando que sabemos o que ela queria dizer. Certa vez perguntei a um amigo se ele tinha conseguido fazer algo que almejava muito, mas que era difícil de conseguir. “Não foi por falta de oportunidade”, ele me respondeu. Vendo minha expressão de choque, ele se corrigiu: “Não foi, ‘vírgula’, por falta de oportunidade.”

Na pressa de hoje, com conversas corridas e mensagens instantâneas sem pontuação ou entonação, essas confusões têm se tornado ainda mais frequentes. Não temos mais tempo (nem os recursos) para percebermos que a razão da confusão pode ter sido a falta de uma vírgula, uma entonação mal interpretada ou até mesmo modelos mentais distintos. 

Qual a saída, então? Uma passagem famosa de Pirkei Avot, o tratado da Mishná conhecido como Ética dos Pais, nos orienta a “julgar todas as pessoas com uma presunção favorável”. Precisamos tomar mais cuidado com nossa comunicação… Na dúvida, o melhor é esclarecer o que queremos dizer; perguntar e ter certeza de que nossa interpretação está certa. Se os membros das tribos de Reuven e Gad tivessem se expressado de forma mais cuidadosa e se Moshé tivesse perguntado mais detalhes sobre os planos deles antes de explodir em fúria, o conflito teria sido evitado.

Nesta semana começamos o mês de Av, penúltimo do calendário judaico. Em breve, estaremos comemorando Rosh HaShaná e Iom Kipur e nos dando conta de todas as transgressões que cometemos através das palavras. Que, neste shabat, prestemos especial atenção ao como falamos e como escutamos, buscando aumentar a compreensão e diminuir as falhas de comunicação.

 

Shabat Shalom!

Rabino Rogério Cukierman