“Eu chamo o céu e a terra para testemunhar neste dia: Eu coloquei diante de você a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolha a vida para que você e seus descendentes vivam.” (Devarim 30:19)

Óbvio! Quem não escolheria pela vida? Temos livre arbítrio para fazer essa escolha? Como fica o instinto de sobrevivência dos seres humanos diante dessa escolha?

Fazemos escolhas o tempo todo. O que comer, o que vestir, o que dizer e o que não dizer. Escolhemos as pessoas com as quais queremos compartilhar momentos significativos da vida assim como aquelas que não queremos mais tão perto. Escolhemos nossos valores, nossos candidatos, nossas práticas religiosas. Escolhemos o que fazer com os nossos recursos e escolhemos como cumpriremos com a responsabilidade de tornar esse um mundo melhor.

Mas será que realmente fazemos essas escolhas? Qual o limite da nossa liberdade de escolha? Qual o papel do divino nesse processo?

De acordo com a tradição rabínica: “Tudo é previsto, e o livre arbítrio é dado, e com bondade o mundo é julgado.” (Pirkei Avot 3:15)

Como pode ser que ao mesmo tempo “Tudo é previsto” e ainda assim temos a possibilidade de expressar nossos mais profundos desejos e mudar a realidade na qual nos encontramos?

Esse é um dos principais paradoxos de muitas tradições religiosas e filosofias, e o Judaísmo não está fora dessa.

Não podemos aceitar que o significado do versículo seja apenas a escolha óbvia e instintiva de qualquer ser vivo de sobreviver. Acredito que há uma resposta ainda mais profunda no próprio versículo.

A tradição interpretativa da Torá não nos permite desviar completamente da lógica e do significado mais próximo ao contexto da mensagem. Cada versículo, cada palavra tem um significado especial.

“Tudo é previsto” significa que há leis naturais do universo as quais não temos como escolher os resultados desejados. Elas estão dadas e seus resultados podem ser estudados. Talvez, os resultados podem até ser previstos com a ajuda das várias ciências que estudam essas leis, sejam elas físicas, químicas ou sociais. Não somos capazes e nem buscamos modificar a natureza, se não entendê-la e respeitá-la, no lugar que nos cabe como seres humanos. O Talmud (Avodá Zará 54b) nos ensina: “Olám keminhagô nohêg”, “O mundo segue seu próprio curso”. Uma semente roubada não deveria florescer, mas dada o devido cuidado, cresce e floresce como qualquer outra planta. “O mundo segue seu próprio curso”, as leis que governam nossa existência estão dadas e o nosso desafio é entendê-las e através delas, fazer o bem sempre.

“E o livre arbítrio é dado”. Escolher a vida é muito mais complexo do que escolher viver. Escolher a vida é escolher como viver. Escolher a vida é a soma de todas as escolhas que fazemos dentro das nossas capacidades. Escolher a vida é dar significado ao tempo e ao espaço nos quais nos encontramos a cada dia. Escolher a vida é aceitar o que está além de nosso controle e perseguir os sonhos que somos capazes de buscar.

Temos a responsabilidade de não deixar a vida nos levar, mas escolher a vida que vamos levar. Escolhemos a vida para que nós e nossos descendentes vivam. Escolhemos a vida para perpetuar os valores divinos manifestados através de nosso comportamento humano. Escolhemos a vida para fortalecer os relacionamentos que trazem significado e propósito para tudo que somos e fazemos. Escolhemos a vida como um grande ato de dedicação espiritual. Escolhemos a vida para celebrar cada escolha que nos torne a cada dia mais vivos.

Que neste ano que se inicia nos próximos dias seja um ano repleto de escolhas para a vida. Que possamos encontrar significado e propósito a cada dia, cumprindo com o mandamento divino de escolher a vida sempre.

 

Shabat Shalom e Shaná Tová Umetuká – um ano bom e doce para todos nós.

Rabino Natan Freller