No contexto dos 3 festivais do 7º mês, Sucot não escapa ao círculo do julgamento. Por isso a tradição da mística judaica se diz que: em Rosh Hashaná é julgado, em Iom Kipur é selado e em Sucot (Hoshaná Rabá) é ratificado. É como se houvesse ainda um tempo recursal entre a emissão da sentença e o trânsito em julgado. Esse é o tempo que transcorre em Sucot.
E a suspensão do tempo nesse período fica mais evidente quando acompanhamos o ciclo anual de leitura da Torá, que divide o seu texto em 54 parashiot, lidas sequencialmente, semana a semana, mas que é interrompida nessas ocasiões que guardam textos específicos para cada celebração.
Mesmo que o chag desta semana (Sucot) seja chamado Zmán Simchatênu (tempo da nossa alegria), nem a leitura da Torá, nem a leitura da Meguilá, colocam a ênfase na alegria. Ao contrário! Após repetir tantas vezes os 13 atributos divinos em Iom Kipur, como forma de invocar a benevolência e o perdão divinos, voltamos a ler neste Shabat a porção na qual Moisés declama os 13 atributos.
Como conciliar “o tempo da nossa alegria” com a guerra em Israel, os reféns em Gaza, os deslocados do Norte e do Sul do país que estão fora das suas casas? Esse paradoxo parece existir também nos textos de Eclesiastes (Kohélet), que Jonathan Sacks chama de “um tratado sobre a morte”.
Há cinco comemorações do calendário judaico cuja porção da Torá correspondente é acompanhada pela leitura de uma Meguilá. Em Purim lemos o livro de Ester; em Pêssach, Shir haShirim (o Cântico dos Cânticos); em Shavuot, o livro de Ruth; em Tisha be’Av lemos a Meguilat Eichá (o livro das Lamentações); e em Sucot, Kohélet.
Kohélet, traduzido por Haroldo de Campos como “O que sabe”, e pelos gregos como “Eclesiastes” – aquele que fala perante uma assembleia, na minha própria tradução, prefiro ler Kohélet (mesma raíz de kahal, congregação) como “a que congrega”. Um nome feminino, como as meguilot de Ruth e Ester.
A ênfase desse texto poético não está na alegria, mas na fragilidade da vida (hevel = efêmero, fugaz como uma névoa). E nesse sentido, o seu texto se torna muito apropriado para a representação de Sucot, quando habitamos tendas.
Mas por que insistir na insegurança e na vulnerabilidade pode ser associado à alegria? Na realidade, a sucá em si mesma é frágil, mas a sua força e sua alegria estão no seu interior, na alegria de nos reunirmos, na força da hospitalidade.
Em seu outro significado, como Festival da Colheita, segurança e insegurança também estão presentes. Quando semeamos o campo, imediatamente após Sucot, não sabemos se a semente germinará e dará seu fruto. Mesmo assim não deixamos de semear. Esse “não saber” está presente na narrativa. Kohélet (a que sabe, a que congrega) enfatiza ao longo do seu texto a falta de conhecimento: “pois você não sabe o que será o mal na terra”; “você não sabe qual é o caminho do vento”, “você não conhece a obra de Deus que faz todas as coisas”, “você semeia e não sabe qual semente prosperará” (Kohélet 11:1-7).
A efemeridade e fugacidade de tudo aparecem 38 vezes no texto de Kohélet. Tomar consciência do que não sabemos, do que não controlamos, do que não podemos garantir não nos torna menos fortes. Ao contrário, esse é o primeiro passo para a busca. Esse é o princípio da sabedoria. Assim como habitar a sucá, o lugar mais frágil, é onde temos a possibilidade de nos fortalecer.
Que nessa celebração de Sucot, na qual tentamos conciliar a alegria do Chag com a sua contenção pelas circunstâncias, possamos encontrar na sucá o lugar que congrega, que agrega, que acolhe e abraça.
Shabat Shalom ve’Chag Sucot Samêach!
Rabina Kelita Cohen
Academia Judaica