
A parashá desta semana traz à tona o poder que pode ter uma pessoa através daquilo que diz:
“Eu sei que quem você abençoar será, de fato, abençoado; e quem você amaldiçoar será, de fato, amaldiçoado” [Bamidbar 22:6], diz Balac a Bilam.
Bilam é descrito na Torá como um homem sincero, que tem visões, escuta a fala de Deus e obtém sabedoria do Altíssimo [Bamidbar 24:15-16]. O Midrash inclusive se refere a Bilam como alguém agraciado com uma profecia semelhante à de Avraham [Bamidbar Rabá 20].
No entanto, Avraham é chamado a ser bênção como um imperativo existencial. Ele não apenas abençoa — ele se torna bênção, ao se permitir ser um canal ético e espiritual, não apenas para os seus, mas para toda a humanidade.
Diferentemente de Avraham, Bilam não se dispõe a ser bênção, mas apenas a funcionar como um instrumento para isso, sem se permitir qualquer reflexão ética sobre a mensagem que deveria transmitir e o impacto que suas palavras poderiam ter na vida dos outros.
Buscando reconstituir a personalidade de Bilam a partir da narrativa bíblica, em comparação com a de outras personagens, percebemos que, nesse paralelo com Avraham, Bilam adota uma postura passiva e desprovida de compromisso ético.
Contrastando-o com Moisés, outra característica se destaca. Ambos se deparam, em seus caminhos, com algo inusitado: Moisés, diante de um arbusto que ardia em chamas sem se consumir, não ficou indiferente. Ele se deteve e se voltou para olhar. Já Bilam, ao ver seu animal agir de forma completamente atípica, não para para observar o que motivava aquele comportamento. Sem exercer qualquer crítica ou aplicar sua sensibilidade para tentar entender, reage com violência.
Essa atitude revela muito sobre o modo de escutar, perceber e se relacionar com o sagrado e com o outro. Bilam se mostra fechado à escuta sensível, o que representa o perigo de uma espiritualidade sem escuta, de uma profecia que não se questiona. Moisés, por sua vez, tem iniciativa espiritual e sensibilidade para “virar-se para olhar”. O mesmo midrash citado afirma que o anjo estava visível o tempo todo, mas Bilam não se abria para vê-lo — ao contrário de seu próprio animal.
Mesmo dotado da capacidade de ver e ouvir o divino, Bilam fecha os olhos diante do mistério e do outro. Essa talvez seja a diferença entre as habilidades com as quais nascemos e aquilo que escolhemos fazer com elas. Bilam foi reprovado na avaliação dos sábios, descrito como aquele que falhou em sua missão.
Que possamos nos inspirar nos arquétipos bíblicos para refletir sobre nossa postura diante do que acontece ao nosso redor, compreendendo que cada pessoa carrega habilidades que podem ser colocadas a serviço da bênção — como Avraham — e com a disposição de descalçar-se, com humildade, diante do desconhecido.
Shabat Shalom!
Rabina Kelita Cohen
Academia Judaica da CIP