O poder de enxergar o outro | Parashat Vaierá | Rabino Dario Bialer

A parashá desta semana começa com uma cena luminosa:

“E apareceu o Eterno a Abraham, quando ele estava sentado à entrada de sua tenda, no calor do dia” (Bereshit 18:1).
A palavra que dá nome à leitura — Vaierá, “apareceu” — não descreve uma visão celestial, mas uma revelação através da presença humana.

Abraham se recuperava de sua circuncisão, fraco e vulnerável. Mesmo assim, ao avistar três viajantes ao longe, corre em sua direção e os acolhe com generosidade.

A tradição rabínica lê esse gesto como uma das expressões mais puras de chesed — bondade — e ensina que foi justamente essa hospitalidade que tornou Abraham digno de encontrar a Deus.

O texto então revela o mistério: aqueles homens simples eram, na verdade, anjos celestiais — ou talvez se tornaram anjos porque, por um instante, o humano e o divino se encontraram à porta de sua tenda.

Como dizem os sábios: “acolher visitantes é maior do que receber a presença divina” (Talmud, Shabat 127a).

A Torá nos revela, em Vaierá, que Deus se manifesta nos gestos de abertura — na hospitalidade, no olhar atento ao outro e na tenda de portas abertas que convida a presença divina a permanecer entre nós.

Esse é o coração da espiritualidade de Abraham: a fé que se manifesta em ação, a espiritualidade que se traduz em ética.

Abraham não ergue os olhos para o céu em busca de Deus — ele o descobre em quem chega à sua porta.

Em tempos de solidão e tanta divisão, Vaierá nos convida a reabrir nossas tendas — a reaprender o gesto sagrado de enxergar o outro, escutar com presença e acolher com coração, para reconhecer novas formas em que a presença divina se manifesta.

Mas a parashá não se limita à luz do encontro; ela também nos confronta com as sombras da vida.
Abraham assiste impotente à destruição de Sodoma, intercede pelos justos e se debate entre compaixão e justiça.
Mais adiante, enfrenta o drama mais difícil da Torá — o pedido divino para sacrificar Isaac — e carrega o peso das consequências de suas escolhas.
Entre a hospitalidade e a obediência, a empatia e o temor, o amor e o fanatismo, se desenha o caminho espiritual do ser humano.

A mesma palavra Vaierá — “e viu” — reaparece na Akeidá:
“E Abraham ergueu os olhos e viu — vaierá — um carneiro preso pelos chifres no mato” (Bereshit 22:13).

Ver, aqui, é mais do que enxergar. É ter visão e encontrar uma saída quando o destino parece fechado.

No instante decisivo, Abraham “ergue os olhos e vê” — e, nesse olhar, descobre outra possibilidade, uma redenção inesperada.

O mesmo verbo que abre a parashá — vaierá, a aparição divina — agora descreve a visão humana de Abraham.
É como se a Torá dissesse que o sagrado está tanto no que Deus revela quanto no que o ser humano é capaz de ver e transformar.

Talvez essa seja a mensagem mais profunda de Vaierá: Deus aparece quando aprendemos a ver de novo.
A fé não é fechar os olhos diante das vicissitudes do mundo, mas abri-los com ternura e coragem para reconhecer a presença divina que insiste em habitar o humano.

Que este Shabat nos inspire, como Abraham, a abrir os olhos e o coração — e a transformar cada encontro, por menor que pareça, em um vaierá: um instante de revelação e reconexão com o divino.