A contrabênção
Geralmente a bênção é relacionada a um desejo ou a um pedido. Pessoas pedem bênçãos quando enfrentam desafios de saúde, profissionais, financeiros, de relacionamento. Pessoas abençoam outras expressando desejos bons. Que Deus ajude você, abençoe você, dê a você isto ou aquilo. Sacerdotes, gurus, oráculos, profetas, vão ainda mais longe e se colocam, às vezes, como os que intercedem para que a bênção divina ou cósmica aconteça e, em alguns casos, mais longe ainda como se eles mesmos outorgassem as bênçãos.
Num sentido oposto foi a famosa e admirada frase de Ghandi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Segundo o líder indiano, as mudanças acontecem a partir de nossas atitudes.
Será que tudo depende somente de nós ou, principalmente, de forças alheias a nós?
Encontro na tradição judaica uma postura intermediária e integradora de ambas. Existem forças além de mim, por exemplo, nas outras pessoas, nas circunstâncias e talvez em fontes misteriosas, mas nossa atitude é chave para lidar com todas elas. Não é suficiente pedir nem do universo, nem de Deus nem dos intermediários. Não é suficiente querer nem para si nem para os outros. É preciso fazer e ser a diferença.
Nessa direção vão as bênçãos em geral na tradição judaica mais antiga e, em particular, nesta parashá.
Na leitura da Torá desta semana aparece a primeira fórmula de bênção para ser pronunciada por humanos, a bênção dos cohanim, repetida tantas vezes nos nossos atos. Ela contém três frases. A primeira diz: Deus abençoe você e cuide você. A segunda diz: que Deus ilumine Seu rosto na sua direção e agracie você. E a terceira diz: que Deus eleve Seu rosto para você e dê paz a você. Embora alguns entendam que se trata de pedidos, outros se atrevem a sustentar o contrário. Não é Deus que fará acontecer sozinho (ou sozinha). A primeira frase sugere o desafio de saber cuidar a bênção depois de recebida. Cuidar um ganho é saber usufruir, administrar, respeitar, enxergar quem não ganhou junto ou até perdeu por meu ganho. Na segunda parte se espera que a luz divina reflita no rosto do humano para que ganhe sua própria graça e faça a diferença. E, na terceira, a paz é desenvolvida no indivíduo para que, com ela, se conduza no mundo.
A fórmula básica de qualquer bênção, Baruch ata Adonai, não pede nem expressa desejos. Descreve uma realidade. Para agradecer, para valorizar ou para se colocar nela. Como receptor, ou como ator. Assim, a bênção de um fruto pode agradecer por tê-lo, se dispor a desfrutá-lo ou reconhecer seu valor e se dispor a trabalhar para que haja mais e melhor. Do mesmo modo a bênção do conhecimento, do sustento, da saúde, da prosperidade, da paz.
Que saibamos reconhecer nossas forças e oportunidades de ser, desenvolver e distribuir bênçãos ao tempo que aceitamos, também, nossos limites e as bênçãos dos que estão à nossa volta.
Shabat Shalom
Rabino Dr. Ruben Sternschein