Na última semana foram inúmeras as mensagens nos grupos de pais da escola do meu filho: manifestos pedindo o fechamento da escola, tendo em vista a piora do quadro de saúde pública; manifestos pedindo que a escola continue aberta, tendo em vista os impactos positivos para os alunos; matérias de jornais, vídeos de pediatras e de outros especialistas; debates acalorados. Não aconteceu em nenhum dos grupos dos quais faço parte, mas escutei relatos de que os debates algumas vezes descambaram para ofensas pessoais. Ao mesmo tempo, no entanto, vi gente manifestando arrependimento de ter se colocado tão incisivamente a favor desta ou daquela posição, temendo que a guerra de manifestos destruísse a comunidade escolar.
Com o passar da semana, fui me dando conta de que a grande maioria das pessoas, independentemente da sua posição com relação ao fechamento da escola, estava tentando proteger a comunidade. Alguns pensavam na comunidade de crianças pequenas, tão carentes do contato com seus colegas e que, por estarem vivendo em isolamento de outras crianças da mesma idade, ainda não tinham desenvolvido competências sócio-emocionais importantes. Outros pensavam na comunidade de alunos, familiares, funcionários e professores que usam o transporte público, que se arriscariam ao contágio em ambientes saturados se tivessem que vir à escola. Havia quem pensasse na comunidade da cidade como um todo, querendo proteger aqueles que precisam trabalhar mesmo sob as mais rígidas condições de quarentena: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, funcionários da limpeza pública e dos transportes coletivos. A forma como definíamos nossa comunidade, ou pelo menos a comunidade pela qual nos sentimos responsáveis, tinha um impacto imenso em qual política considerávamos correta.
A parashá desta semana, Vaiakhêl-Pecudei, começa com Moshé reunindo toda a comunidade e lhes instruindo sobre a hora de parar para o Shabat e lhes pedindo para doar, cada um de acordo com a generosidade do seu coração, para o projeto comum, a construção do Mishcán. Assim como na época de Moshé, temos um projeto conjunto de comunidade, no qual investimos o que temos de mais sagrado: nossa saúde, nosso bem-estar em todos os seus aspectos.
Em 2020, lemos Vaiakhêl-Pecudei no mesmo final de semana em que tivemos o primeiro Cabalat Shabat a portas fechadas na CIP. Ainda inexperientes com a tecnologia e em conduzir um serviço religioso com a sinagoga vazia, começamos a experimentar novos passos. Quem assistir a transmissão do serviço de hoje e compará-la com o que fizemos há um ano, rirá da falta de técnica, óbvia naquelas primeiras transmissões. Aprendemos muito nesse ano, passamos a valorizar coisas que considerávamos óbvias, revisitamos conceitos e valores, mas algumas coisas continuaram as mesmas como eram doze meses atrás.
Vários comentaristas notaram que na parashá desta semana alguns aspectos do projeto de construção do Mishcán são repetidos várias vezes. Uma das opiniões é que a repetição serve para indicar que líderes precisam tratar o bem comum com muito cuidado, e prestar contas das suas ações à frente da comunidade. Neste momento, com a piora dos índices de saúde pública, é função de cada um de nós exercer sua liderança e garantir que o projeto comum da nossa comunidade, garantir a saúde de todos, seja desempenhado com responsabilidade, cuidado e transparência. Cabe a cada um de nós se cuidar e, assim, ajudar a cuidar da comunidade que todos tanto valorizamos.
Shabat Shalom
Rabino Rogério Cukierman