Ao iniciar o livro de Bamidbar, nos deparamos com um momento aparentemente simples: Deus ordena a Moshé que faça um censo do povo.

Mas, quando lemos com atenção, percebemos que esse ato de contagem levanta profundas questões espirituais e morais. Quem é contado — e quem não é? O que significa ser visível na vida da comunidade? E, talvez o mais importante, como garantimos que nossos espaços sagrados reflitam o valor infinito de cada alma?

A Torá diz: “Faça um censo de toda a comunidade dos Filhos de Israel…” No entanto, as instruções rapidamente se estreitam: apenas homens com mais de 20 anos, capazes de portar armas, devem ser incluídos. Mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência — ninguém é contado. Seus nomes não são pronunciados. Sua presença, embora certamente real, não é oficialmente reconhecida.

A palavra “edá” — traduzida aqui como “comunidade” — também significa um subconjunto, uma facção. Isso implica que, mesmo nos tempos antigos, o termo “comunidade” podia ser definido de forma restrita, excluindo aqueles que não atendiam a um padrão específico. A Torá nos dá não apenas um registro de quem foi contado, mas um espelho para ver quem foi deixado de fora.

Nossa tradição rabínica luta contra isso. O Talmud nos alerta para não contar as pessoas diretamente como números. Rashi explica que, quando contamos os indivíduos como meros números, corremos o risco de diminuir seu valor divino. Em vez disso, contamos as contribuições — meio shekel para cada alma — não por causa do dinheiro, mas porque cada pessoa importa pelo que oferece, não simplesmente por quem é no papel.

Em nossas sinagogas, escolas, espaços comunitários e locais de trabalho, podemos nos orgulhar de sermos abertos e inclusivos. Podemos ter uma declaração de diversidade em nosso site ou rezar por justiça e pertencimento. E, no entanto, nosso trabalho nessa frente está apenas começando.

Inclusão não é um slogan — é uma prática sagrada. É um trabalho espiritual. É a maneira como afirmamos que todo ser humano é criado betzlem Elohim — à imagem divina.

Aqueles cujas vozes foram silenciadas, cujos nomes não foram contados, cujas oferendas foram ignoradas — eles também são a nossa comunidade, trazendo sua presença sagrada e contribuição única para junto de nosso povo. Cabe a nós abrir esses espaços para que sejam parte integrante, enxergadas, ouvidos, e para que toda nossa comunidade possa se beneficiar das brachot, das bênçãos que cada um e cada uma traz com sua alma, com sua vida.

Esse é nosso convite a toda comunidade judaica: união sem uniformidade. Celebremos as diferenças, abraçamos cada um e cada uma exatamente como existem neste mundo, criados a imagem e semelhança divina.

Como Rashi nos ensina: contamos as pessoas pelo que elas fazem — por suas contribuições sagradas, sua presença, seus esforços, seu coração.

Shabat Shalom.

Rav Natan Freller