“Envie para você pessoas para explorar a terra de Kenáan” (Nm 13:2). Assim começa nossa parashá de Shelách Lechá. Por que está escrito “envie para você”? Não bastaria dizer “envie pessoas para explorar a terra de Kenáan”?

Inúmeros rabinos explicaram que a Divindade teria dito: “EU não preciso que alguém me fale sobre a terra que Eu prometi a seus antepassados. Mas se VOCÊ precisa, ‘envie PARA VOCÊ pessoas para explorar a terra’”!

Podemos entender que o Eterno estava dando uma colher-de-chá para os hebreus, permitindo que conhecessem antes a terra prometida a Avraham, Itzḥak e Yaacóv. Ou ainda, podemos entender que o povo mais uma vez duvidava da promessa Divina e não confiava na liderança de Moshé.

Após quarenta dias verificando a terra de Kenáan e seus habitantes, os espiões israelitas retornam ao acampamento e relatam as dificuldades que precisarão ser enfrentadas por eles, descrevendo a força dos Canaanitas. Exceto por Yehoshúa e Calev, todos os demais sugerem que a terra prometida não é boa.

A Torá conta que o povo nem ligou para a opinião de Yehoshúa e Calev, preferindo acreditar na opinião dos outros dez espiões. Choraram e reclamaram da liderança de Moshé e Aharón, dizendo: “Melhor seria se tivéssemos morrido no Egito! Quem dera tivéssemos morrido nesse deserto! (…) Certamente é melhor para nós que voltemos ao Egito! (…) Escolhamos nossos líderes e voltemos para o Egito!” (Nm 14:2-4).

Nossos sábios apontam não ser coincidência que o caso de Miriam e o caso dos espiões sejam narrados em sequência pela Torá. O caso de Miriam encerra a parashá Behaaloteḥá da semana passada e o caso dos espiões abre a parashá dessa semana.

Segundo o midrash, os dois trechos trabalham com o conceito de Lashón haRá (a maledicência). Miriam falou mal de Moshé e sua esposa, o que acarretou uma consequência, assim como os espiões falaram mal de Kenáan, o que também trouxe uma dura consequência (Bamidbar Rabá 16:6).

Moshé intercede a Deus nos dois casos, pedindo a cura de sua irmã (Nm 12:13) e insistindo a Deus que não destrua o povo de Israel (Nm 14:13-19); nos dois casos o perdão divino se manifesta: em Miriam que foi curada após sete dias, retornando ao acampamento (Nm 12:15-16) e com relação aos espiões e ao povo, “Saláḥti kidevarêḥa”, diz o texto (Nm 14:20) – “Eu os perdoo, conforme você me pediu”, diz a Divindade a Moisés.

Contudo, nos dois casos algo mais ocorre: mesmo tendo sido perdoados ainda assim há consequências para suas ações: Miriam não é curada imediatamente por um milagre e deve esperar sete dias. Do mesmo modo, o povo agora deverá vagar por 40 anos no deserto, e somente seus descendentes é que poderão herdar a terra prometida (Nm 12:14-15 e 14:31-35).

Essa é uma das mais importantes e interessantes mensagens do judaísmo: devemos ser responsáveis por nossos atos e devemos enfrentar os resultados dessas ações.

É claro que acreditamos que o arrependimento sincero traz o perdão, mas também cremos que o perdão não significa que o erro tenha sido apagado. O perdão não apaga o erro cometido nem suas consequências. E o desafio humano é desenvolver ferramentas para arcar com as consequências de suas ações e aprender com seus erros e aprimorar-se.

Neste shabat mevarḥím, pedimos a Deus que abençoe o mês de Tamuz que se inicia em breve. Que nesse novo ciclo sejamos abençoados com uma vida repleta de momentos significativos, pautada pelos valores éticos da nossa Torá, pelo amor à humanidade e que possamos ver o retorno de nossos sequestrados a Israel e o fim da guerra na região.

Shabat shalom,

Theo Hotz