A entrada no mês de Elul deste ano não começou como um percurso individual de introspecção, como o fazemos a cada ano. Ao contrário de nos voltarmos para ouvir a nossa voz interior, ecoa em níveis ensurdecedores a nossa dor coletiva, tornando ainda mais difícil individualizar a experiência.

Talvez, como nunca outrora, o shofar se faça indispensável para que o estrondo externo nos conduza novamente às veredas profundas da nossa essência. Qual voz soará mais penetrante? O shofar não será uma voz solitária neste mês de Elul. Seu som este ano vem acompanhado de um coro de vozes das mães e de uma nação inteira que recebe de volta os corpos de 6 dos seus filhos e filhas que resistiram bravamente por 11 meses nas entranhas da terra (os túneis do Hamas), com quem falhamos em trazê-los de volta com vida.

Nosso vidui neste ano deverá adicionar um verbo e um novo destinatário: falhamos com vocês, irmãos. Como nação, não fomos capazes de protegê-los. 

Fomos ensinados e ensinamos os nossos filhos que devemos ser éticos mesmo em uma situação de guerra; que devemos defender a vida e tratar com dignidade os cativos. Tudo isto, visando o controle da barbárie. E a parashá desta semana justamente nos convoca, uma vez mais, a fazer a coisa certa, em qualquer circunstância.

No entanto, nós nos encontramos entrincheirados em uma profunda batalha de civilizações e culturas. Nossos adversários lutam com um desrespeito cínico pelas restrições morais. Esse compromisso moral com a santidade e a dignidade da vida parece nos colocar em desvantagem significativa, à medida que confrontamos inimigos que não se regem pelas mesmas regras e cuja bússola moral aponta para outra direção.

Esta não é apenas uma luta por territórios e fronteiras, mas uma batalha travada para proteger a herança duradoura da história judaica. Além disso, reconhecemos que estamos defendendo uma sociedade construída sobre princípios e valores que valem a pena preservar.

Diante de um cenário tão paradoxal, parece que não por casualidade a nossa jornada de reflexão durante o mês de Elul comece justamente com um repasse da Torá por esse código de ética. Assim como somos expostos à vida e à morte, à bênção e à maldição, e somos convidados a escolher pela vida e pela bênção, também hoje somos colocados diante da possibilidade de sustentar os valores com os quais os nossos antepassados ergueram uma nação na terra de Israel, ao mesmo tempo que temos a possibilidade de nos corrompermos pelo ódio gratuito dos nossos inimigos.

“Ouve, ó Israel! Vocês estão em batalha com seu inimigo. Não deixem sua coragem fraquejar. Não fiquem com medo ou em pânico, ou aterrorizados por causa deles. Porque é o Eterno seu Deus que marcha com vocês para combater por vocês contra seu inimigo e lhes trazer vitória”. [Deut. 20:3-4]

Quem sabe essas palavras da Torá, junto com as palavras poéticas e de esperança da haftará que acompanha a parashat Shoftim [Isaías 51:12-52:12] e o toque do shofar sejam capazes de restaurar a nossa confiança em uma vida de paz e segurança, após a calamidade!

 

Shabat Shalom!

Rabina Kelita Cohen

Diretora da Academia Judaica