Na parashá da semana passada, Lech Lechá, testemunhamos o chamado divino de Avraham. Avraham ouviu uma voz única que lhe deu a orientação necessária para seguir seu caminho com sua família e sua comunidade. É difícil para mim imaginar que Deus não tenha se revelado a ninguém além de Avraham até então, pois a presença divina já existia no mundo. Acredito que esta foi a primeira vez que alguém estendeu a mão para ouvir o chamado divino. Avraham foi um pioneiro. Avraham era a vanguarda da contra-cultura.

A parashá desta semana começa com Deus aparecendo a Avraham logo após sua circuncisão, o símbolo físico de sua aliança. Qual é a diferença da revelação da semana passada, quando Avraham ouviu o chamado divino, para a revelação desta semana, quando Deus aparece a Avraham?

No primeiro versículo, lemos apenas que Deus apareceu a Avraham, mas não há descrição de sua fisicalidade. No verso seguinte, Avraham levanta os olhos e vê três homens parados perto dele. Avraham os vê e corre para cumprimentá-los, dando-lhes as boas-vindas em sua tenda, oferecendo água, descanso e comida.

Nossos sábios leem aqui uma característica comum da poesia bíblica, após uma declaração genérica, uma descrição mais detalhada é seguida. De acordo com essa perspectiva, a aparência desses três homens é de alguma forma a presença divina. Midrashim dos mais variados explicam que esses três seres eram na verdade anjos, mensageiros de Deus.

Quero oferecer outra leitura, talvez mais literal, dessa passagem. Três homens estavam caminhando em sua jornada. Eles viram Avraham sentado do lado de fora de sua tenda. Avraham percebeu que tinha companhia e correu para recebê-los de modo apropriado. É assim que Deus se parece. A presença divina está lá quando as pessoas aparecem umas para as outras.

Avraham estava com dor, se recuperando de sua circuncisão, e quando viu as pessoas aparecendo, viu a presença divina agindo ali. Ele não pensou duas vezes e movido por seus valores e compreensão do mundo, Avraham ofereceu água, descanso e comida a esses três homens imediatamente, se conectando com o divino naquele momento.

Após ouvir o chamado divino, tornando-se parte da aliança com Deus, Avraham estava pronto para se comportar de forma diferente. Avraham estava aberto a mudar e a ser mudado.

“Assim como Deus visita os doentes, também devemos visitar os doentes.” É assim que o Talmud interpreta esse evento, nos lembrando que Avraham acabou de fazer sua circuncisão e ainda estava se recuperando.

Precisamos aprender a ver, a sentir a presença divina, e responder, engajar em uma conexão além do físico e do material. Assim como nossos ancestrais tomaram decisões altruístas, generosas em momentos de dificuldade, devemos nós internalizar esses valores como atributos divinos. Este é um aspecto fundamental do desenvolvimento de nossa identidade judaica, seguindo os passos daqueles que vieram antes de nós para criar nossa própria trilha.

Aprendemos com os três homens que temos que sair da nossa zona de conforto para estarmos disponíveis para os outros, especialmente aqueles que não se sentem vistos ou ouvidos, que podem precisar do nosso apoio.

Aprendemos com Avraham a dar sem pedir reciprocidade, fazendo o que é certo, pois é a coisa certa a fazer. Aprendemos com Avraham a acolher as pessoas que não conhecemos e fazê-las se sentirem seguras e terem suas necessidades atendidas.

Vivemos em comunidade. Alguns de nós podem estar aqui há mais tempo do que podem contar. Alguns de nós podem estar vindo hoje pela primeira vez. É hora de sermos mais como Avraham e não esperar, mas correr em direção àqueles que se aproximam e ver o divino neles.

Que possamos fortalecer nosso autoconhecimento e nossos aprendizados de nossa tradição, saber o que cada um de nós representa, porque Deus fala com todos e é nossa responsabilidade desenvolver nossa capacidade de ver, ouvir, sentir a sua presença.

 

Shabat shalom,

Rav Natan Freller