O que poderia haver de especial em um relato sobre um líder que solicita doações para a construção de um templo? Aparentemente, nada. Pelo contrário, seria algo tão óbvio que talvez nem justificasse ser contado. Justamente por essa razão, os diversos comentários à parashá desta semana, Trumá (doação), são indispensáveis para dar significado à leitura e torná-la relevante.

Um dos comentários enfatiza o tipo de doação solicitada. Diferente de outros momentos na Torá, nos quais todos doavam a mesma quantia, o mesmo percentual ou, no mínimo, o mesmo item — geralmente dinheiro —, aqui a doação é completamente individualizada. Alguns ofereceram metais preciosos, outros arte, outros dinheiro e alguns doaram seu trabalho na construção. Cada um contribuiu de acordo com sua capacidade, habilidade e vontade.

Outro comentário concentra-se na motivação para a arrecadação:

“Tomai minha doação de todo aquele cujo coração o voluntarie.” (Shemot 25:2)

Ou seja, não seriam aceitas doações compulsivas, forçadas, sem intenção ou motivadas por interesses egoístas. Apenas as que viessem do fundo do coração do doador e cuja entrega fosse impulsionada unicamente pela sua própria vontade.

Por fim, há comentários que se aprofundam no objetivo da doação: construir um santuário para que Deus more nele. No entanto, o próprio profeta Isaías questiona séculos depois:

“Qual é a moradia que poderiam ousar construir para mim, uma vez que o céu é meu teto e a terra meu chão?” (Isaías 66:1)

Em outras palavras: qual o sentido de construir um santuário para um Deus abstrato e onipotente?

Uma das interpretações mais conhecidas sugere que não é Deus que precisa do santuário, e sim o ser humano. Precisamos de tempo e espaço definidos para tudo: trabalho, descanso, lazer, família, amigos, solidão, reflexão e transcendência. O santuário se torna, assim, o cenário para um momento de elevação, um espaço para ir além.

Outra abordagem sugere que toda a parashá é uma metáfora. Não se trata de construir um santuário físico, mas de tornar o mundo um lugar digno do divino — transformar o corpo e a vida de cada indivíduo em um espaço onde o conceito do sagrado possa habitar. Assim como entendemos que não há espaço para o divino na violência, na injustiça, na indiferença, na apatia e no egoísmo, viver promovendo o oposto significa construir um santuário no mundo, tornando tudo sagrado. Para isso, a chave está na intenção sincera e na vontade plena que vem do coração.

Alguns comentaristas apontam uma relação linguística entre a narrativa da Criação e a construção do santuário. Como se Deus tivesse tomado a iniciativa de criar algo além de Si, e nossa resposta fosse o desafio de tornar esse mundo digno da Sua presença, promovendo uma re-união entre ambos por meio da nossa melhor intenção.

Viver com entrega e vontade plena traz o divino ao mundano e ao humano.

 

Shabat Shalom!

Rabino Dr. Ruben Sternschein