
Doze ingressam à terra prometida e, ao vê-la, dez regressam perplexos e desanimados; e apenas dois saem de lá íntegros, com sua esperança inabalável na vida que construiriam na nova terra.
Essa narrativa encontra eco em outra emblemática narrativa do Talmud, na qual quatro sábios ingressam ao jardim [Pardês] e, ao verem o muro de mármore, três deles sucumbem de diferentes maneiras, e apenas um sai de lá íntegro [Talmud, Chaguigá 14b].
Mais do que tentar interpretar outras formas de paralelismo entre as duas histórias, o pêndulo de ambas se move a partir da visão de cada um. Todos eles “veem”.
Em relação à visão, qual é o nível de objetividade e/ou subjetividade resultante da nossa interação com o que acontece à nossa volta? Que fatores influenciam nossa percepção do mundo e de nós mesmos?
Objetivamente, os doze foram unânimes em relatar que, de fato, se tratava de uma terra boa, trazendo consigo provas concretas dessa afirmação.
“Eles disseram: fomos à terra que você nos enviou e constatamos que, de fato, dela emana leite e mel, e este é o seu fruto.” [Núm. 13:27]
A divergência na narrativa, no entanto, se deu ao nível da subjetividade. Dez deles agregaram ao seu relato um tom desencorajador, que se sobrepunha à objetividade dos fatos, ressaltando mais os perigos e os desafios de retornar à terra na qual um dia fora habitada por seus ancestrais, os patriarcas Abraham, Itshak e Iaacov, junto com as matriarcas, Sara, Rivca, Rachel e Lea.
Apenas Josué e Caleb puderam integrar suas percepções objetivas e subjetivas, traduzidas em uma visão positiva em relação às chances de sobrevivência dos israelitas na Terra Prometida.
Como herdeiros daquela promessa, os pioneiros do moderno Estado de Israel certamente se inspiraram na visão desses dois relatores para reconstruir na mesma terra as condições descritas por todos os doze, de uma terra que emana leite e mel. Imbuídos dessa confiança, fizeram reverdecer o deserto, desenvolveram tecnologia para que novamente aqueles frutos descritos pudessem voltar a nascer ali, e transformaram a terra árida em um verdadeiro lar.
Como povo, adquirimos o direito de voltar a viver na terra dos nossos antepassados através de novas concepções pacíficas: a compra legal de terras pelo KKL e a mobilização política e diplomática realizada por Herzl e por Chaim Waizmann, que trabalharam para garantir o reconhecimento do direito à autodeterminação do nosso povo.
Pensávamos que a barbárie como método para a posse da terra era coisa daqueles idos tempos da Idade de Bronze, e que os mecanismos já citados de aquisição da terra, e outros desenvolvidos na modernidade, como a negociação e a mediação de conflitos, poderiam levar ao cumprimento de outra profecia: a de que transformaríamos espadas em arados e lanças em foices, e que nunca mais haveria a necessidade de fazer guerra [Isaías 2:4].
Mas o 7 de outubro abriu uma rachadura na esperança de que este fosse o texto-base para nosso lar, e novamente a subjetividade e objetividade deixaram de caminhar de mãos dadas. Após 615 dias desse ataque, outro assustador contador do tempo foi desatado: o dia 1 da nova era, marcado pela guerra contra o Irã. Novamente, podemos nos ver como gafanhotos frente a gigantes, ou escutar o brado de Josué e Caleb, para que não tenhamos medo do povo daquele país, pois Adonai está conosco [Núm. 14:9].
A leitura da parashá desta semana não poderia vir mais oportuna para nos renovar a esperança de que fomos trazidos de volta a casa para viver em paz, mesmo quando outras vozes insistem em nos convencer do contrário.
Assim como apenas um dos sábios saiu íntegro do Pardês, e apenas dois dentre os doze emissários conseguiram manter-se fiéis à visão da promessa, também nós somos chamados a cultivar uma visão que transcenda o medo, sem negar a realidade.
Josué e Caleb não negaram os desafios, mas escolheram vê-los à luz de uma aliança com Deus, confiando que “estando satisfeito conosco, Adonai nos conduzirá para dentro desta terra e a dará a nós” [Núm. 14:8].
Da mesma forma, podemos nos lembrar da mensagem talmúdica, de que todo aquele que entra em paz, sai em paz. Mesmo quando nos deparamos com muros espessos como o mármore, se entrarmos com integridade e esperança, podemos emergir com uma nova visão.
יְהִי־שָׁלוֹם בְּחֵילֵךְ שַׁלְוָה בְּאַרְמְנוֹתָיִךְ
“Iehi shalom be’cheiléch, shalvá be’armenotáich”
“Haja paz na força e força para ganhar a paz”. [Salmo 122:7]
Shabat Shalom!
Rabina Kelita Cohen
Academia Judaica da CIP