Entre o Céu e a Terra: o Espírito de Chol HaMoed Sucot | Parashat Sucót

Chol HaMoed é um tempo singular.
Não é inteiramente sagrado como Iom Tov, nem totalmente cotidiano como um dia comum.
É um intervalo liminar, onde o sagrado e o profano se tocam e se reconhecem.
É o espaço em que o aparente contraste se transforma em diálogo, e a vida revela suas sutis harmonias — entre o ruído e o silêncio, entre o fazer e o ser.

Sucot é o cenário perfeito dessa integração.
Na Sucá, estamos dentro e fora ao mesmo tempo. Há teto, mas vemos o céu. Há paredes, mas o vento entra. Há estrutura, mas ela é frágil e passageira.
E cada vivência compartilhada sob o s’chach transmite, em simultâneo, a vulnerabilidade e a grandeza de existir — sustentados menos pela firmeza das paredes e mais pela confiança em algo invisível que nos envolve e protege.

O espiritual e o material deixam de ser opostos e se tornam duas faces de uma mesma presença quando habitamos a Sucá.
Sair de Iom Kipur e entrar em Sucot é atravessar a ponte entre o celestial e o terreno.
Do recolhimento do espírito passamos ao gesto corporal, construindo o que será nossa morada nos próximos dias.
Do ideal ao real. Do arrependimento à celebração. Da aspiração ao encontro.

O Midrash ensina que a tenda suave da Sucá representa as ananei kavod — as nuvens de glória que envolviam o povo no deserto, sinal da presença divina que o acompanhava na travessia.

Mas há também uma leitura interior: a Sucá é a alma que se abre.
Ao deixar para trás as paredes fixas e previsíveis, aprendemos o desassossego da confiança — a fé que não se apoia na segurança, mas na presença.
Chol HaMoed é um convite à integração, quando habitamos tudo o que a vida nos traz e agradecemos por isso.

Continuamos a viver, a trabalhar, a cuidar das coisas de sempre — mas há algo novo: quando o Divino passa a habitar os gestos simples e a rotina se torna permeável ao sagrado, percebemos que, de certa forma, a precariedade da Sucá é um luxo.
Sentar-se ao redor da mesa e saborear a refeição, a conversa, a música — e a mensagem de uma tradição sábia e humana — nos lembra que o que parecia supérfluo é essencial.

Como recorda o livro de Kohelet, lido em Sucot:

“Havel havalim, amar Kohelet, havel havalim, hakol havel.”
— “Vaidade das vaidades, disse Kohelet, tudo é vaidade.”

Mas a palavra hevel não significa “vaidade” no sentido moderno de orgulho ou superficialidade.
Em hebraico, hevel é vapor, sopro — algo efêmero, transitório, sem substância permanente.
É justamente essa consciência da impermanência que o espírito de Chol HaMoed revela.
Habitar uma morada transitória nos devolve o valor do que é realmente duradouro: o amor, os vínculos, a presença — tudo o que permanece, mesmo quando o vento passa.

E talvez seja esse o segredo de Sucot: aprender a permanecer no impermanente.
Perceber que, entre o céu e a terra, existe um ponto de encontro — a própria existência humana, quando se permite habitar esse tempo.
Ali, na interseção entre o efêmero e o eterno, o invisível se revela.
E é nesse instante breve, frágil e luminoso que a vida se torna morada de Deus.

Shabat Shalom
Rabino Dario Bialer