Força e coragem são duas palavras que caminham do mesmo lado no espectro entre o poder e a vulnerabilidade. Apesar de serem quase sinônimas, o texto bíblico as traz unidas em diversas passagens, inclusive na que lemos nesta semana. Paradoxalmente, a mesma parashá começa com uma grande demonstração de vulnerabilidade. Moisés implora, roga, suplica a Deus para ter a oportunidade de entrar na Terra Prometida. Ele estava claramente fragilizado, enfrentando a sua própria mortalidade. Talvez se sentindo fracassado, por não conseguir chegar à meta que ele impôs para si mesmo. E em lugar de ser consolado, Deus ordena que ele se cale e retire forças de onde não tem para fortalecer o seu sucessor.

“… impregne-o de força e coragem, pois ele atravessará à frente desse povo…” 

(Deut. 3:28)

Como psicóloga, não pude deixar de pensar no estado emocional de Moisés. Por que ele escolhe tornar pública sua conversa com Deus nesse momento? Em tantas ocasiões anteriores ele se apresenta apenas como porta-voz da mensagem, sem entrar em detalhes de como se deu a conversa entre ele e Deus! Por que aqui ele deixa ver sua vulnerabilidade dessa maneira? A honestidade emocional de Moisés nessa passagem é, talvez, a maior prova da sua força. Uma força que procede da maturidade. Aos 120 anos, Moisés nos dá uma última lição: sejam honestos com os seus sentimentos! 

Não por casualidade, a Parashat Vaet’chanán sempre coincide com o Shabat Nachamu – o Shabat do Consolo. No percurso que iniciamos agora de teshuvá, período de sete semanas até Rosh Hashaná, somos convocados a nos envolvermos em nosso próprio cheshbón hanéfesh (check-up da alma). Somos chamados a olhar para dentro de nós mesmos e tentar identificar o que sentimos que está em desequilíbrio e o que nos sentimos chamados a mudar em nossas vidas.

E nesse percurso de introspecção, precisamos ser fortes para enfrentar os nossos monstros interiores. Mas a força não deve adentrar sozinha nesse pântano. Ela deve ir ancorada em um conjunto de princípios e valores, para que a força não seja mera brutalidade. E, comprometidos com esses valores, somos capazes de reconhecer a nossa própria humanidade e a humanidade do outro. 

Certamente não era apenas Moisés a sentir-se vulnerável naquele momento prévio à sua morte. O povo também estava fragilizado ao se ver diante de tantas mudanças e um futuro incerto. E por isso, também, o povo precisava ser fortalecido. A rabina Sharyn Henry sugere que o motivo de recitarmos em voz alta “chazak, chazak v’nitchazek” (Seja forte! Seja forte! E que possamos ser fortalecidos) ao final de cada livro da Torá talvez seja porque chegamos frente a um espaço em branco entre um livro e outro, que marca uma transição. E em momentos de transição, é natural que as pessoas se sintam vulneráveis. 

Moisés, sentindo-se debilitado emocionalmente, é convocado a fortalecer Josué. Ao mesmo tempo em que somos exortados a encontrar a força moral para fortalecer a outros, também aprendemos que podemos nos fortalecer mutuamente.

Nesta semana, viu-se em Israel um povo desalentado e necessitado de consolo. Aquela força e coragem que fez tanta gente sair às ruas, de Norte a Sul do país nos últimos meses pedindo por democracia, foi abruptamente interrompida por uma decisão da Knesset vista por uma parcela significativa da população como ameaçadora da democracia. Estamos hoje diante daquele espaço em branco na escrita da história do nosso povo. 

Que estejamos dispostos a consolar e ser consolados neste Shabat Nachamu; que encontremos a força interior para fortalecer a outros e sermos fortalecidos; que tenhamos a coragem para enfrentar as incertezas do presente, sem perder de vista os princípios éticos que nossa tradição nos legou.

Shabat Shalom!
Kelita Cohen

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