Embora a parashá dessa semana não tenha origem grega, seu texto lembra um pouco as fábulas de Esopo. Balác, rei de Moav, preocupado com o numeroso povo hebreu acampado em suas redondezas, teme que não possa vencer os israelitas e decide contratar os serviços de Bilám, um misto de feiticeiro e profeta, pedindo dele que “maldiga este povo (…) para que eu possa feri-lo e expulsá-lo desta terra, pois sei que aqueles que você bendiz são abençoados e aqueles que você maldiz são amaldiçoados” (Nm 22:6).
Segundo o texto, a própria Divindade se dirige a Bilám e o proíbe de maldizer os hebreus. Temendo à Divina Presença, Bilám recusa o serviço e informa aos mensageiros de Balác que somente dirá aquilo que Deus lhe permitir dizer.
Os mensageiros insistem, oferecendo a Bilám grandes riquezas, mas o mago reafirma seu compromisso com o Divino: “Mesmo que Balác me entregue sua casa cheia de prata e ouro, eu não poderia ir contra a Vontade Divina” (Nm 22:18).
Deus fala mais uma vez a Bilám e o autoriza partir com os mensageiros, com a condição de que ele só faça aquilo que o Eterno permitir. Como se estivesse testando Bilám, Deus coloca um anjo com uma espada flamejante desembainhada bloqueando o caminho da jumenta de Bilám que, temerosa, empaca. Bilám, cego para a presença do anjo, bate na jumenta e a obriga a seguir em frente. Outras duas vezes ela empaca diante do anjo. Bilám, ignorando Deus e seus sinais, responde à jumenta com violência.
Fabulosamente, a jumenta abre sua boca nesse momento e questiona Bilám: “Por que você está me batendo tanto? Quando foi que eu já empaquei antes?”. Essas palavras fazem com que Bilám perceba que havia algo mais por trás do estranho comportamento de sua fiel jumentinha.
Aquele Bilám, que podia ouvir a Deus em grandiosas aparições noturnas, não conseguia enxergar a Divindade nas simples coisas do cotidiano e nas pequenas manifestações da natureza. Bilám temia a Deus, mas era cego à Vontade Divina.
Personagem coadjuvante em nossa parashá, a jumentinha de Bilám nos lembra que Deus não se faz presente somente através de grandes sinais ou de temíveis fenômenos naturais. Ao contrário, em paralelo ao conceito cabalístico de “tsimtsúm” – que diz que Deus se diminuiu e se restringiu a Si mesmo para criar o espaço em que o universo foi criado –, muitas vezes as grandes maravilhas divinas estão justamente nas coisas mais triviais, simples e pequenas.
Por sermos imagem e semelhança do Divino Criador, devemos praticar nosso “tsimtsúm” individual, restringir nossa grandeza, descer dos nossos pedestais, abandonar nossa altivez, e nos colocar com humildade até diante das mais simples criaturas do universo.
Shabat shalom
Theo Hotz