Chegamos ao final do livro de Bamidbar. Às vésperas de entrar na terra prometida, existe uma necessidade real de praticamente terminar todas as regras que terão que cumprir depois de conquistarem Cnaan. A terra será dividida entre todas as tribos, de acordo com número de pessoas de cada uma. Apesar de a tribo dos Levitas não ter uma região para se estabelecerem definitivamente, a eles são prometidas quarenta e oito cidades espalhadas por todo o território.
Por entrar na terra, é necessário reforçar a consciência do valor da vida e da responsabilidade de uns sobre os outros para que “não se torne culpada a terra em que estais, porque o sangue faz condenar a terra… porque Eu habito no meio dela” (35:33-34). Temos uma longa descrição de o que é realmente um assassinato predeterminado e o que foi um acidente.
Aquele que mata outro acidentalmente pode se proteger em seis das cidades dos Levitas, as Arei Miclat, cidades de refúgio. Essas pessoas se protegem dos que querem vingar a morte de seus entes queridos, já que “a terra não terá expiação… senão com o sangue daquele que o derramou” (35:33).
O fator determinante de o que é acidental ou proposital não é relacionado com intenção. Temos na halachá, na lei judaica, um conceito chamado psik reisha, no qual uma pessoa não pode dizer que desconhecia o fato que, por exemplo, uma galinha morreria quando foi cortada sua cabeça, por mais que a intenção de cortar a cabeça nada tenha a ver com a morte da galinha.
A Torá traz alguns exemplos de que se golpear alguém com um instrumento que conhecidamente pode causar a morte e a pessoa realmente morrer deve ser considerado homicida. O uso do instrumento conhecido é suficiente para determinar.
Não podemos nunca negar que as intenções são essenciais, sem elas não fazemos nada. Mas inclusive com as melhores intenções podemos ter ações negativas. E o mundo concretamente só existe por causa das ações. Podemos sentir, pensar, imaginar, mas o que de verdade imprime nossa existência nesse mundo são as atitudes, sejam elas físicas ou verbais.
Intenções negativas não estão sob julgamento, essas são claras. Mas o que acontece quando o resultado foi “sem querer”? Muitas vezes nos deparamos com situações difíceis de julgar, não tão claras como psik reisha.
Há muitas situações que realmente não temos como antever a consequência ou o impacto em outros. A pergunta é: houve uma reflexão sobre como expressar as intenções? O “desculpe, foi sem querer” só pode ser de verdade dito quando a reflexão foi feita. Caso contrário, foi “sem pensar”, e a negligência pode ter consequências tão graves como uma má intenção.
Shabat Shalom
Rabina Fernanda Tomchinsky-Galanternik