Ki Tissá, a parashá desta semana, descreve duas diferentes criações humanas: o bezerro de ouro, construído com a liderança de Aharon, irmão de Moshé, e o Mishcán, o santuário móvel do deserto, sob a liderança de seu arquiteto Betzalel.

Embora sejam duas criações humanas com o objetivo de realizar rituais religiosos, a consequência dessas obras foi completamente diferente. Enquanto que o bezerro enfureceu Deus, o santuário contou com sua aprovação.

A pergunta que podemos nos fazer é: por quê? Por que uma mesma parashá descreve duas criações, e uma é reprovada e a outra aceita? O que havia de tão diferente nas construções de Aharon e Betzalel que fizesse com que Deus reagisse de maneira tão distinta em relação a cada uma delas?

A resposta mais simples é a de que o bezerro foi construído para desafiar Deus, e o santuário foi elaborado, por ordem de Deus, para honrá-Lo.

Acredito, no entanto, que existam maneiras mais elaboradas de responder a essa pergunta.

A criação do Bezerro de Ouro parece ter diversos vícios que o Mishcán não possui. O primeiro deles é acreditar que a santidade se encontra em algo completamente novo.

A produção da estátua do mamífero buscava criar uma nova divindade. O objetivo da campanha liderada pelo irmão de Moisés era produzir uma espiritualidade inédita, dissociada da vida que eles tinham. O animal de ouro pretendia apagar a crença em formação daqueles nômades e substituir pelo lançamento de uma nova fé.

O santuário, por outro lado, tinha por objetivo catalisar uma espiritualidade que já estava presente. A ideia do Mishcán era apenas tornar um pouco mais concreta e, portanto, próxima, a presença divina. 

O Bezerro de Ouro foi construído pela traição de irmãos. Enquanto Moshé estava totalmente envolvido na busca das Tábuas da Lei, seu irmão, sangue do seu sangue, liderou a maior revolta teológica da história do judaísmo. Não esperou o líder descer a montanha para discutir novos caminhos, no lugar disso, aproveitou-se sorrateiramente de sua ausência para substituir a liderança do irmão por sua própria.

O Mishcán, por outro lado, nasce como lugar de encontro. O tabernáculo nada mais era do que uma casa de reunião, que um dia daria origem aos Templos de Jerusalém e, posteriormente, às sinagogas espalhadas pelo mundo. O objetivo daquele santuário não era rivalizar lideranças, mas, ao contrário, reunir o povo.

Enquanto o Bezerro de Ouro nasce a partir da impaciência e da incapacidade de aguardar o retorno de Moisés, o Mishcán é resultado de um trabalho minucioso e detalhado, é fruto da calma e do zelo. 

A lição aqui deve ser de que há uma espiritualidade que buscamos em momento de emergência, como no caso do Bezerro, uma fé had hoc, e a tendência é que ela se dissipe na mesma velocidade que se forjou. Existe uma outra forma de relação com o sagrado que se forma paulatinamente, como a construção do Mishcán, com estudo, com acúmulo de experiência e vivência. Esse tipo de relação com nossa espiritualidade tende a ser muito mais sólida.  

Assim, acredito que a presença de dois modelos que tiveram consequências tão diferentes nesta parashá têm algo a nos ensinar.

Que saibamos buscar uma relação com o sagrado que reconheça a santidade daquilo que já existe, que veja no encontro uma forma profunda de oração, que compreenda que a busca de espiritualidade é um processo lento, gradual e contínuo. Que possamos construir juntos uma vida que substitua a idolatria do bezerro pela espiritualidade sofisticada do Mishcán.

 

Shabat Shalom!

Rabino Michel Schlesinger