A história narrada na parashát Vaigash acontece sobretudo fora da terra de Israel (na diáspora), em um movimento de subida e descida. É, de fato, a metáfora do movimento que conecta o povo judeu à terra de Israel. O retorno é sempre uma subida, independentemente de ser a altitude do ponto de origem mais elevada ou rebaixada em relação ao destino, Israel.

Ao fazermos aliá – elevação – nos movemos em direção à casa. Esse é o retorno. Vaigash começa com José dizendo a seus irmãos: 

הוֹרִדֻהוּ אֵלָי אִם־לֹא יֵרֵד אֲחִיכֶם הַקָּטֹן אִתְּכֶם לֹא תֹסִפוּן לִרְאוֹת פָּנָי

“Tragam-no [a Benyamin] até aqui embaixo… Se o seu irmão mais novo não descer com vocês, vocês jamais verão a minha face outra vez!”

[Gen. 44:21-23]

Dentro da mesma narrativa, o mesmo verbo “lehorid” [descer] também é aplicado pelos irmãos a respeito de Jacó, para expressar a sua preocupação pela vida e integridade do seu filho Benyamin, caso ele não retorne após a sua “descida” ao Egito.

וְהוֹרִידוּ עֲבָדֶיךָ אֶת־שֵׂיבַת עַבְדְּךָ אָבִינוּ בְּיָגוֹן שְׁאֹלָה

“seus servos terão baixado seu servo, nosso pai… ao Sheol” 

[Gen. 44:31]

O “lugar” referido pelos irmãos de José, nomeado como Sheol, faz referência à morte. É uma metáfora da sepultura, as profundezas para além da vida.

Essas palavras e seus sentidos nos sinalizam a centralidade ocupada pela terra de Israel na vida e na história do povo judeu. Tudo aquilo que leva de volta a casa me eleva. Ao mesmo tempo em que tudo aquilo que me distancia, me rebaixa. Esse é o significado abraçado pelo movimento sionista – um ideal de retorno ao nosso eixo integrador, à nossa essência.

A relação geoespacial e metafísica envolvendo Israel (a descendência de Jacó, que teve seu nome mudado para Israel) e a terra de Israel é algo que se mistura e perdura ao longo de toda a nossa história como povo. 

Se vamos à Haftará correspondente à parashat Vaigash, séculos adiante ao acontecimento no Egito, veremos novamente o anseio pelo reencontro dos irmãos em outro exílio – o babilônico – e a promessa de serem trazidos de volta a Israel.

“Eu estou prestes a tirar o povo de Israel das nações… Eu irei reuni-los de todos os lugares e trazê-los de volta para sua terra! Ali, nas colinas de Israel… Eles viverão na terra que Eu dei ao meu servo Jacó, a terra dos seus ancestrais…”

[Ezequiel 37:21-25]

O ideal sionista é apresentado intimamente atrelado ao ideal messiânico de paz, já que, ao estarmos juntos, poderemos construir um santuário entre nós, no qual a presença divina possa ser sentida. E continua o texto da Haftará:

וְנָתַתִּי אֶת־מִקְדָּשִׁי בְּתוֹכָם לְעוֹלָם׃

וְהָיָה מִשְׁכָּנִי עֲלֵיהֶם

Ve’natati et mikdashi betocham leolam. Ve haiá mishkani aleihem.

E porei meu mikdash (meu santuário) entre eles para sempre. Minha Presença estará com eles.

[Ezequiel 37:26-27]

Hoje, milênios adiante, Israel já não é apenas uma esperança baseada em uma promessa. Israel é uma realidade, enquanto a paz continua a ser uma esperança. Vivemos o desafio permanente de construir um santuário entre nós, onde possamos ver e sentir a presença divina.

Mas estar irmanados não é um desafio que recai apenas sobre os ombros de nossos irmãos que se encontram na terra de Israel. O mesmo profeta Ezequiel que anunciou o Mikdash entre os habitantes da terra de Israel, também anunciou a possibilidade de construirmos sua representação (uma maquete do ideal) nos lugares onde nos encontremos. 

אֱהִי לָהֶם לְמִקְדָּשׁ מְעַט בָּאֲרָצוֹת אֲשֶׁר־בָּאוּ שָׁם

Va’ehi lahem le’mikdash meat ba-artzot asher bau sham.

“Eu serei para eles um mikdash meat (pequeno santuário) nos países aonde foram”.

[Ezequiel 11:16]

Vejam que o lugar é outro, mas a presença nos acompanha, quer no exílio ou na diáspora, quer na dispersão ou no retorno. Os nossos sábios, Rabi Ytzhak e Rabi Elazar, discutem no Talmud [Meguilá 29a] acerca desse mikdash meat, e Rabi Ytzhak diz que são nossos batei midrash, nossas casas de estudo.

Quer dizer que cada vez que nos reunimos para estudar, para nos conectarmos com a nossa herança cultural, espiritual e intelectual, estamos tecendo uma urdidura mais à trama do nosso povo. 

Isto vem a nos dizer que Deus habita nos espaços sagrados criados por nós, fortalecendo a nossa conexão com a terra de Israel e conosco mesmos a partir da centralidade que Israel ocupa nas nossas vidas.

Que neste ano que se inicia no calendário civil possamos nos elevar espiritualmente; desenvolver afetivamente nossos vínculos – como povo – com a nossa história e com Israel; e ascender intelectualmente, colocando em alto toda a nossa rica tradição na base do nosso fazer no mundo.

Feliz Ano 2025!

Shabat Shalom!

 

Rabina Kelita Cohen