As primeiras palavras ditas tradicionalmente ao entrar na sinagoga aparecem na parashá que lemos esta semana, parashat Balac. “Ma tovu ohalecha Yaakov, mishkenotecha Israel” (Como são belas as suas tendas Yaakov, as suas moradas Israel). Essa frase que elogia os espaços que nosso povo cria e habita foram ditas por um mago, um bruxo — alguns dirão um profeta de nome Bilaam, que foi chamado pelo rei de Moav, Balac, para maldizer ao povo de Israel de quem o rei temia. Três vezes Bilaam foi maldizer ao povo de Israel e três vezes Deus transformou as palavras de sua boca em bênção.
Desde que soube que esse era o caso, que ao entrar em nossas sinagogas e casas de estudo repetimos as palavras de quem teve a intenção de nos maldizer, me pergunto: por que nossos sábios escolheram essas palavras de Bilaam para abrir nosso sidur? Muitos falaram da importância de lembrar que existe quem nos quer destruir; que Bilaam tinha más intenções e Deus nos protegeu e nos salvou. Eu quero compartilhar com vocês outras respostas possíveis.
Será que nossos antepassados reconheceram que Bilaam teve a capacidade de enxergar a beleza do nosso povo desde as alturas da montanha e nós, que pertencemos ao acampamento, não conseguimos enxergar?
Ou será que no momento inicial da reza ou do estudo devemos desejar que Deus nos ajude, como a Bilaam, a ver a beleza dos outros povos, até de nossos inimigos? Que “Ma Tovu” nos lembre do poder da palavra, que maldições podem se tornar bençãos e provavelmente o contrário também? Que tanto no estudo como na reza falamos e temos que ser cuidadosos com o que sai de nossas bocas?
É possível também nos conectar com a ideia que as palavras de Bilaam expressam a forma na que Deus nos enxerga e podem nos inspirar a construir uma comunidade, um povo digno de ser abençoado com as palavras que ele falou:
“Como são belas as suas tendas o Yaakov,
As suas moradas Israel.
Como palmeiras que se espalham,
Como jardins às margens do rio,
Como aloés plantadas pelo Eterno,
Como cedros as margens das águas,
Seus ramos gotejam de umidade,
Suas raízes tem água em abundância” (Num 24:5-7)
Essa descrição, essa benção, é nosso desafio. As águas são nossa Torá, nossa tradição que devemos desenvolver e ressignificar, os valores que o judaísmo nos ensina a viver, por em prática e transmitir L’dor V’dor, de geração em geração.
Que sejamos capazes de ver, reconhecer e acrescentar a beleza de nossa comunidade e de nosso povo. Que possamos ver o divino que existe em todos os seres humanos e em todos os povos. Que saibamos beber e crescer nas águas de nossa tradição. Que nossas rezas e nosso estudo sejam sempre uma benção para nós e para todos que nos rodeiam.
Que neste Shabat, ao constituirmos em comunidade cantando juntos “Ma tovu”, aceitemos o desafio de sermos transformados e transformar esse mundo num mundo melhor para todos.
Shabat Shalom,
Rabina Tati Schagas