Foram apenas alguns minutinhos de conversa em meio à multidão: um breve encontro com o papa Francisco, na praça do Vaticano, que ficou gravado entre os momentos mais marcantes da vida para Michel Schlesinger, de 41 anos, rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP). Nem tanto pelo diálogo, relacionado aos riscos do fanatismo, mas principalmente pela atitude. “A capacidade dele de pôr foco no que estava acontecendo, escutar e responder me impressionou. Um lugar com tanta distração, com tanta gente. Ele me deu uma lição de presença”, diz.

Foi um dos quatro contatos que Schlesinger teve com o papa. Três em Roma, cujas datas não lembra de cabeça, e um no Brasil, quando representantes de diferentes religiões se reuniram com o pontífice em Aparecida, em julho de 2013, na época da Jornada Mundial da Juventude. “Um encontro, para mim, transformador”, diz.

O registro de que ele esteve com o papa em quatro ocasiões é parte de seu curto perfil no site da CIP – onde trabalha ao lado de outros dois rabinos e uma rabina. A congregação, que tem como parte de sua visão “ser uma comunidade judaica de referência no judaísmo liberal, crítico e pensante para o Brasil”, foi criada em 1936 por imigrantes que fugiram do nazismo na Alemanha. Nos anos 70, ganhou projeção com o protagonismo político de Henry Sobel, então um jovem rabino, que se recusou a enterrar o jornalista Vladimir Herzog na ala dos suicidas do Cemitério Israelita, por rejeitar a versão oficial acerca das circunstâncias de sua morte.

Encontros com católicos, evangélicos, budistas e muçulmanos são parte da rotina de Schlesinger. Representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o diálogo inter-religioso, aproximou-se do cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, por causa de eventos que os reúnem. “Trocamos mensagens de WhatsApp”, diz rindo – uma risada curta que muitas vezes acompanha a conclusão de suas frases. “Quando chega uma data judaica, ele sempre me manda um feliz Pessach [festa que comemora a libertação dos hebreus da escravidão no antigo Egito], feliz Chanucá [conhecida como festa das luzes], ou feliz não sei o que lá, e quando chega uma data cristã, como Natal, como a Páscoa, sempre mando mensagem também.” Foi dom Odilo quem escreveu a orelha do livro “Diálogos de um Rabino – Reflexões para um Mundo de Monólogos” (Annablume Editora, R$ 30,40 no site, também disponível em e-book, na Amazon), que Schlesinger lançou no ano passado. O prefácio é do filósofo Mario Sergio Cortella, com quem já debateu, por exemplo, sobre terrorismo. As 167 páginas reúnem prédicas, muitas delas feitas nas grandes festas – que incluem o ano-novo judaico, dez dias de penitência e Dia do Perdão -, momentos de reflexão mais profunda nas sinagogas.

O tema diálogo é recorrente. Em pouco mais de duas horas de conversa neste “À Mesa com o Valor”, o rabino referiu-se 34 vezes ao termo e falou 18 vezes em escutar e ouvir. “Enxergo o diálogo como um meio, não como um fim. O fim é aprimorar a sociedade.” Os encontros inter-religiosos giram em torno de desafios que a sociedade vive, explica. “Eles não são cristãos, ou judeus, ou muçulmanos, ou budistas. Eles são humanos. O desafio do combate à violência, do combate à corrupção, da sustentabilidade, cuidados com o planeta e com os recursos naturais. Na união das religiões está a oportunidade de fazer frente a essas questões humanas”

Perguntado como vê a questão de um Estado Palestino ao lado de Israel, Schlesinger respondeu: “Eu me considero um pacifista e acredito na solução de dois Estados. Gostaria de ver um dia, espero que eu ainda esteja vivo para ver isso, palestinos e israelenses vivendo cada um em seu Estado, com respeito e harmonia, com colaboração. Acho que o potencial que existe é gigantesco.”

Mas uma questão crucial para um possível acordo, Jerusalém que tanto judeus quanto palestinos reivindicam como capital, tem hoje uma polêmica adicional: a possibilidade acenada pelo presidente Jair Bolsonaro de mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para a cidade. “Fico muito feliz e celebro a aproximação entre o Brasil e Israel que passa a existir nesse governo. Acho uma boa notícia”, diz ele. “Gostaria de ver o Brasil aproveitando essa oportunidade para estimular Israel e palestinos a sentarem em torno de uma mesa de negociação e conversar” (Celia Rosemblum, Valor Econômico).

 

texto e foto retirados: www.conib.org.br