Você já considerou que ao nascer, cada um de nós traz ao mundo uma bênção única? Aprendemos isto do patriarca Avraham, de quem é dito: “tu serás uma bênção… e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gên. 12:2-3). E o tempo que durar a sua vida será também o tempo para compartilhar sua bênção.

Por isso, a Mishná descreve extensivamente sobre coisas magníficas da criação que cessam quando uma pessoa morre. Por exemplo, diz que “quando morreu rabi Yehoshua, a bondade cessou no mundo; quando morreu Raban Yohanan ben Zakai, o esplendor da sabedoria cessou; quando morreu Rabi Akiva, cessou a honra da Torá; quando morreu Rabi Hanina, as boas ações humanas cessaram…” (Mishná Sotá 9:15).

Essa assertiva talmúdica encontra suporte na parashá desta semana, que descreve que, com a morte de Miriam, o povo ficou sem água:

וְלֹא־הָ֥יָה מַ֖יִם …בְּקָדֵ֑שׁ וַתָּ֤מׇת שָׁם֙ מִרְיָ֔ם
“E Miriam morreu em Kadesh… e não havia mais água” (Bamidbar 20:1-2).

Moisés, Aharon e Miriam são reconhecidos pelo profeta Miquéias como líderes de Israel para conduzir o povo da escravidão à liberdade: “Eu te resgatei da casa da escravidão e enviei Moisés, Aharon e Miriam para guiá-los” (Miquéias 6:4). Os líderes assumem a responsabilidade de ser uma bênção para seus liderados.

O midrash (Bamidbar Rabá 1:2) fala que, pelo mérito de Moisés, o povo comeu o maná no deserto. Por isso, quando Moisés partiu, “o maná cessou no dia seguinte” (Josué 5:12). Pelo mérito de Aharon, o povo contava com uma nuvem acima que proporcionava sombra de dia, luz à noite e uma espécie de cortina ao redor, brindando proteção contra serpentes e escorpiões. E quando Aharon partiu, diz a Torá que “o ânimo do povo se exaltou pelo caminho” (Números 21:4), pois o sol começou a esquentar suas cabeças. Já o poço, onde quer que o povo se movesse, jorrava água pelo mérito de Miriam, que recitou uma canção no mar. Por isso, a descrição da morte de Miriam é seguida pela informação de que o povo ficou sem água.

Com todos esses relatos, nos damos conta de que a lacuna deixada por uma pessoa que parte desta vida demonstra o quão insubstituíveis somos, se de fato reconhecemos a nossa bênção e a desenvolvemos para o bem das pessoas.

Qual é a sua bênção?

Mishná: primeira parte da coletânea do Talmud, compilada no séc. II desta Era.

Ao descrever o poço que acompanhava os israelitas pelo mérito de Miriam, a rabina e poeta Rachel Barenblat complementa o cenário em tom poético:

…tinha um poço
que acompanhava os israelitas
em todas as suas andanças,
uma doce fonte no deserto
trazendo clareza ao coração
de qualquer um que unisse em concha as mãos
e bebia. Será que eu também
serei um manancial de Torá,
uma fonte de águas vivas,
ou vou estagnar aqui?…

Essas palavras nos alertam a que a bênção que trazemos é apenas um potencial que precisa ser nutrido e posto em prática. Do contrário, poderá ser como uma lâmpada que nunca foi acesa ou um poço com a tampa fechada. Que possamos não apenas reconhecer, mas também cultivar e compartilhar nossa bênção única, iluminando o mundo ao nosso redor.

Shabat shalom,

Rabina Kelita Cohen