É possível ter razão e perdê-la. Quando nos indignamos excessivamente com o outro lado e queremos apenas combater, destruir ou desmontar o adversário, podemos acabar agindo de forma exagerada e extrema, perdendo legitimidade e sendo vistos com menos razão do que tínhamos antes de reagir.

Da mesma forma, é possível não ter razão e ganhá-la. Ou seja, não estar certo e, ainda assim, acabar visto como o lado certo. Isso pode acontecer no exemplo acima, quando a vítima, ao se defender, se torna algoz e o antigo agressor, enfraquecido, desperta compaixão.

Além disso, quem não tem razão em uma disputa pode tê-la em outros assuntos e, por conta disso, sair fortalecido. De fato, mesmo nos aspectos em que dizemos que um lado não tem razão, ele pode ter alguma – a sua razão, vista do seu próprio ponto de vista.

A piada do rabino, que dá razão a todo mundo, esconde a possibilidade real de que talvez não exista apenas uma razão ou um único lado certo. Sempre existem razões — não necessariamente más, corruptas, torcidas, abusivas, erradas ou inescrupulosas — mas simplesmente “outras”: diferentes, alternativas.

Assim sendo, podemos dizer que é possível ter e não ter razão ao mesmo tempo.

A parashá da semana ilustra dois exemplos disso.

O primeiro está no ritual da vaca vermelha, que serve para purificar os impuros, mas impurifica os puros. O mesmo ritual! Ao mesmo tempo! Quem participa dele estando puro se impurifica, e quem está impuro se purifica.

O segundo exemplo acontece na história da água no deserto. Nossos antepassados reclamam a Moisés pela sede: voltam ao desespero que os leva a pedir para morrer ou retornar ao Egito, que descrevem como melhor do que o deserto. Deus diz a Moisés que dará água da pedra e pede que ele fale com ela. Moisés, revoltado com a falta de fé e coragem do povo, grita:

— Vejam, rebeldes, como desta pedra tiramos água para vocês!

E bate na pedra.

Deus acaba punindo Moisés.

Os comentários indicam que Moisés perdeu a cabeça, o coração e a razão. Não conseguiu manter a calma para executar a ordem, perdeu a humildade para indicar que seria Deus quem realizaria o milagre — e continuaria sendo crível mesmo em circunstâncias adversas — e perdeu a sensibilidade para aceitar que o pedido de água no deserto era legítimo, assim como o desespero do povo, mesmo depois de terem vivido a escravidão, a libertação e tantas façanhas.

Ou seja, de alguma forma, Moisés, mesmo tendo razão, não a tinha. E o povo, mesmo não tendo razão, tinha.

Que possamos incorporar este olhar complexo e integrador de razões nestes tempos de polarização.

Shabat Shalom

Rabino Dr. Ruben Sternschein