Nas últimas semanas participei de vários encontros em nossa kehilá, nos quais tratamos do tema do lugar das mulheres no judaísmo e na nossa comunidade. Um desses encontros foi com a equipe do Shaat Sipur de Ieladim, outro com madrichim e madrichot da Chazit Hanoar, que estavam preparando uma peulá, e, por último, acompanhei o planejamento e a cerimônia do “Cabalat Shabat das minas” da Colônia.
Em uma comunidade igualitária, em que as mulheres podem realizar as mesmas atividades que os homens, por que nossa juventude e nossa equipe educacional ainda se preocupam com o lugar das mulheres em nossa tradição?
A tradição judaica e seus textos foram transmitidos, narrados, escritos e interpretados ao longo de milhares de anos de história por homens. As experiências das mulheres na Bíblia Hebraica, na Mishná e no Talmud são relatadas por homens, e fazemos referência a Deus, na maioria das vezes, no masculino. Nossos textos não mencionam mulheres com a mesma frequência que homens, e pouquíssimas vezes elas têm um papel principal na história. Frequentemente as mulheres não têm um nome próprio além de “filha de…”, “esposa de…”, “irmã de…”, etc. Tudo isso é, sem dúvida, um tema que incomoda a muitas pessoas, em especial à nossa juventude, para quem a linguagem de sexo e gênero é muito diferente da linguagem tradicional.
A leitura da Torá desta semana nos surpreende. Na parashat Pinchás, não apenas são mencionadas nove mulheres no censo do povo, que em geral só contam os homens, como as nove têm nome: Cozbi, Malcha, Noa, Hagla, Milka, Tirtza, Serah, Iochévet e Miriam.
Esta parashá é uma exceção e nos convida à reflexão, a reparar na necessidade de recordarmos os nomes das mulheres de nossa história e conhecer suas vidas. Nós mulheres temos o desafio de nos dedicarmos ao estudo dos textos e à sua interpretação. Podemos e devemos somar nossas vozes, nossa visão e nossas experiências à tradição milenar. Cabe a nós ressignificá-la e ser parte ativa e comprometida nela.
A primeira mishná do tratado de Pirkei Avot diz: “Moisés recebeu a Torá no Sinai e a transmitiu a Josué, Josué aos anciãos e os anciãos aos profetas e os profetas aos homens da Grande Assembleia. Eles disseram três coisas: tenham paciência na [administração da] justiça, tenham muitos discípulos e façam uma cerca ao redor da Torá.”
A rabina israelense Rinat Sefania escreveu um texto para complementar essa mishná. “Miriam recebeu a Torá no Sinai e a transmitiu às filhas de Tselofechad e as filhas de Tselofechad a Débora e Débora a Rute e Rute a transmitiu a Bruria. Elas disseram três coisas: façam que sua voz seja ouvida, tenham muitas discípulas e interpretem a Torá.”
Por que nossa juventude e nossa equipe educacional ainda se preocupam com o lugar da mulher na nossa tradição? Porque ainda temos um longo caminho a percorrer, porque podemos ser uma comunidade ainda mais diversa, mais inclusiva e mais acolhedora. Porque não é só a voz das mulheres que não tem sido expressa e ouvida em nossa tradição. Porque parte de nossa identificação com o judaísmo liberal é estudar e interpretar para aprender, para crescer, para escolher, para mudar, para fazer que nosso judaísmo seja mais acessível e mais relevante em nossas vidas.
Nossa tradição também diz que estivemos todos e todas presentes no Sinai recebendo a Torá. Sem distinção de sexo ou gênero, todos e todas somos parte desse povo e do legado de nossa tradição.
Shabat Shalom,
Rabina Tati Schagas