Um poema de Iehudá Amichai:


בטרם השער ייסגר 

בטרם כל האמור יאמר, 

בטרם אהיה אחר, 

בטרם יקריש דם נבון, 

בטרם יסגרו הדברים בארון, 

בטרם יתקשה הבטון 

בטרם יסתמו כל נקבי החלילים 

בטרם יוסברו כל הכללים 

בטרם ישברו את הכלים, 

בטרם החוק יכנס לתוקפו, 

בטרם אלוהים יסגור את כפו 

בטרם נלך מפה.

Antes do portão ser fechado, 

antes que a última palavra seja dita, 

antes que eu me transforme em outro, 

antes que se coagule sangue bom

Antes que as palavras sejam fechadas no armário

Antes que o concreto seque.

Antes que se fechem todos os buracos dos espaços,

Antes que todas as regras sejam explicadas,

Antes que todas as ferramentas sejam quebradas.

Antes que a lei entre em vigor,

Antes que Deus feche Sua mão,

Antes de irmos daqui.

 

Vamos dar início ao final das rezas de Iom Kipur – uma parte do serviço chamada Neilá. Em hebraico, Neilá quer dizer “trancamento” e por aqui termina o consenso sobre o que esta parte do serviço espera atingir. Há aqueles para quem o nome se refere ao trancamento dos portões dos céus, a última oportunidade deste Iom Kipur para que nossas rezas e nosso arrependimento cheguem até o seu destino. Uma outra opinião, com a qual eu concordo mais, diz que os portões dos céus estão sempre abertos para a tshuvá e que o nome Neilá se refere apenas ao fechamento dos portões do Templo em Jerusalém que acontecia neste finalzinho de Iom Kipur.

 

Qualquer que seja a metáfora que a Neilá signifique para cada um de nós, estamos chegando ao final desta maratona de 25 horas. O sol vai se pondo, o dia vai escurecendo. Com a chegada da noite, vivemos o limiar deste dia. Nem bem estamos em Iom Kipur, nem bem esse dia sagrado já terminou. As melodias mudam, as rezas mudam. Nossos corpos cansados, nossa concentração já abalada. Não temos certeza se ainda estamos vivos, mas certamente não estamos mortos.

 

Neste nosso último esforço, juntamos toda nossa energia para que nossas súplicas sejam atendidas, para que escutemos o significado das nossas próprias rezas, para termos a força de nos transformarmos, nos corrigirmos, deixarmos para trás as práticas, as rotinas, os vícios que já não nos servem mais.

 

Como pai, acontece algumas vezes que, cansado de implorar aos meus filhos para que façam algo, eu desisto – uma desistência mais teatral do que real – e vou embora. Surpresos ao perceberem de que perderam uma chance, meus filhos correm atrás de mim, desesperados para recuperar a oportunidade que deixaram escapar com a minha desistência. A rabina Noa Kushner diz que este é o momento da Neilá. Durante o ano todo, os portões da tshuvá escancarados, esperando pelo nosso arrependimento sincero, que nunca vem. E, então, no final de Iom Kipur, cansado de esperar por uma ação do nosso lado, Deus ordena o fechamento dos portões – talvez, também, de forma mais teatral do que real – na esperança de que, ao vermos seu fechamento, corramos para aproveitar os últimos minutos abertos.

 

Gilberto Gil disse que 

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que ficar a sós

Tenho que apagar a luz

Tenho que calar a voz

Tenho que encontrar a paz

Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata

Dos desejos, dos receios

Tenho que esquecer a data

Tenho que perder a conta

Tenho que ter mãos vazias

Ter a alma e o corpo nus 

 

No final deste dia de jejum, esta é a hora – de, nesse salão em comunidade, encontrar seu espaço sozinho, abrir mão de todas as máscaras que te trouxeram até aqui, encontrar a paz e, com a alma nua, falar com Deus.

 

Chatimá Tová!

Ahavá Rabá – uma tradução interpretativa

 

Com intensidade, ama toda a Tua criação e, em meio a ela, o povo de Israel. Um papel especial Você nos atribuiu, educando-nos na Torá e nas Mitzvot, para que possamos concretizar a mensagem de Justiça e compaixão nesta terra. Por isso, Adonai, ao nos levantar e ao irmos deitar, refletimos sobre Teus ensinamentos, sentindo a Torá como um motivo de alegria, e as Mitzvot como um manancial de vida. Nosso compromisso é estudar, interpretar as fontes judaicas durante nossa existência, e viver de acordo com elas. Abençoado sejas, Adonai, que amas o povo de Israel.

 

Uma kavaná para a Amidá silenciosa

Quando o fundador do movimento chassídico, o Baal Shem Tov via que havia o risco de problemas para os Judeus, seu costume era ir a uma certa parte da floresta e meditar. Lá, ele acendia uma fogueira e dizia uma reza especial; com isso, um milagre acontecia e o problema era evitado. 

Muitos anos depois, quando seu discípulo, o Magid de Mezritch, enfrentou um problema semelhante e teve que pedir ajuda aos céus, ele foi ao mesmo lugar da  floresta e disse “ריבונו של עולם, Senhor do Universo, escute: Eu não sei como acender o fogo, mas eu ainda sei dizer a reza. E o milagre foi alcançado.

Anos depois, o Rabino Moshe-leib de Sasov, também teve que salvar o seu povo. Ele foi à floresta e disse, “Eu não sei acender o fogo nem dizer a reza. Mas eu sei o lugar e isso tem que ser suficiente.” E foi suficiente e o milagre foi alcançado.

Foi então a vez do Rabino Israel de Rizhin ajudar o povo. Sentado em sua poltrona, sua cabeça entre as mãos, ele disse a Deus, “Eu não sei acender o fogo nem dizer a reza. Eu nem meso sei como encontrar o lugar na floresta. Só o que eu sei fazer é contar a história, e isto tem que ser suficiente.

E foi suficiente. 

 

A Amidá silenciosa encontra-se entre as páginas 14 e 25. Use o texto em hebraico ou em português como base, ou simplesmente conte a sua história a Deus.