É na parashá desta semana, Vaerá, que vemos narradas cada uma das dez pragas que assolaram o Egito até que o Faraó decidisse nos libertar.
Diferentes autores descreveram como cada praga atacou um aspecto vital do Egito antigo, incluindo aspectos do sistema de crenças egípcias vigentes na antiguidade.
A mitologia egípcia é repleta de divindades que governam cada manifestação da natureza, mas ao mesmo tempo os egípcios deificavam cada manifestação como se fosse uma divindade em si mesma.
Assim, enquanto Hapi era o deus do Nilo, Osíris era o responsável por suas bondosas cheias, e Khnum era a fonte divina através de quem o grande rio emanava suas águas, o próprio Nilo era em si mesmo deificado, por ser a emanação física de cada uma dessas divindades.
O professor doutor Nahum Sarna escreveu que a transformação do Nilo em sangue deve ser entendida literariamente como uma diminuição do poder dessas divindades pelo Deus dos hebreus. O rabino Umberto Cassuto notou que Heqt, uma deusa com cabeça de rã que continha o sopro da vida em suas narinas, seria a divindade atacada pela segunda praga.
E assim, de acordo com vários rabinos e acadêmicos, cada praga representa no texto um poder egípcio sendo derrubado: os piolhos e pulgas, saídos do pó da terra ferida pelo cajado de Moisés, – em outro exemplo –significavam a derrota de Keb, o deus da terra. As feras sem controle e a peste são duas pragas que parecem atacar o deus Hathor, que tinha cabeça de touro. A sarna que ataca os egípcios representa a queda dos deuses da cura, Isis e Sekhmet.
O professor Tsioni Zevit, da American Jewish University, em Los Angeles, destacou que Seth, deus dos ventos e tempestades, é vencido pelo Eterno quando o granizo enviado por Ele não pode ser controlado pela divindade egípcia. Segundo o mesmo autor, os gafanhotos representariam a vitória do Deus hebreu sobre Min, deus da fertilidade e das plantações (visto que Ex 9:31 aponta que os gafanhotos destruíram os campos de cevada).
Por fim, Nahum Sarna e Umberto Cassuto atestaram que a escuridão representa a derrota de Rá, o deus-sol, e a morte dos primogênitos a derrota do próprio Faraó, o deus-homem.
Aprendi com uma grande amiga minha que, independentemente da crença pessoal (ou da não crença), devemos perceber nos livros bíblicos os sinais da boa literatura, enxergando que nada está ali por acaso, seja por arte, seja por determinação divina.
Na semana desta parashá de proporções hollywoodianas, cujo texto – repleto de simbologias – transborda em qualidade literária, nossa comunidade perdeu o historiador Mauro David Cukierkorn, apaixonado pelo cinema e pela literatura, pela música e pelo povo judeu. Ao querido professor, minha homenagem nesse comentário.
Shabat Shalom
Moré Theo Hotz