A noção de que foi com palavras que Deus criou o mundo é mais profunda do que aparenta ser. O Criador do Universo poderia ter utilizado gestos, mas optou por uma criação verbal.
A tradição judaica tem um respeito impressionante pelas palavras. Somos considerados o povo do livro — estudamos a sabedoria da Torá; rezamos com textos antigos e contemporâneos; temos rituais para anular promessas; o casamento judaico acontece quando a fórmula apropriada é recitada; santificamos o tempo, o vinho e o pão por meio das palavras…
Acreditar que o mundo foi gerado com palavras é reconhecer o seu poder criador e, também, o outro lado da moeda, seu potencial de destruição.
Destrua um travesseiro no alto de uma montanha. Você verá que suas penas vão voar tão longe que você nunca será capaz de reuni-las novamente, sugere uma metáfora rabínica. O mesmo ocorre com as palavras, uma vez pronunciadas, não existe a possibilidade de reverter suas consequências.
O próprio Talmude reconhece que é extremamente difícil ficar sem falar mal de alguém, mas é algo que deve ser perseguido. Pelo menos uma vez ao dia vamos escorregar nas complexas leis de discurso ético, alerta a literatura rabínica (Bava Batra 64b-65a).
Tazria e Metsorá, trechos da Torá deste Shabat, falam sobre um desconhecido problema de pele, normalmente traduzido como lepra. Quando um caso de lesões dermatológicas dessa natureza surgisse, o paciente deveria ser levado até o sacerdote. Caso o cohen constatasse a procedência da suspeita, então a pessoa deveria permanecer isolada por um período de tempo até que pudesse se reintegrar à sociedade.
Em um exercício de interpretação, os rabinos associaram a doença a um desvio de comportamento ligado à fofoca, à maledicência ou a lashon hará (língua perversa).
Um rabino pediu a seu sábio assistente que fosse até o mercado e trouxesse a melhor parte do boi. O rapaz foi, e trouxe um pedaço de língua. Agora o rabino solicitou que fosse até o açougue e trouxesse a pior parte do boi. O jovem retornou com outro pedaço de língua.
Dependendo da forma como o discurso é usado, ele pode gerar o bem ou o mal, criar vida ou retirá-la. Os rabinos compararam difamação ao assassinato. Disseram que retirar a honra de uma pessoa se compara a interromper a sua vida. Aquele que não tem honra não tem vida ou, pior, é condenado a viver sem honra.
Chafetz Chaim, rabino Lituano que viveu na passagem do século 19 para o 20, fez o trabalho mais extenso de interpretação a respeito de lashon hará. No judaísmo estamos proibidos de dizer algo negativo sobre alguém, mesmo que seja verdade. Além disso, transgride aquele que fala, e também aquele que escuta.
Somos capazes de fazer coisas maravilhosas com as palavras. Com elas, escrevemos um livro, declaramos amor, cantamos, elogiamos, confessamos saudades, apoiamos, demonstramos presença.
Que a releitura desta parashá seja uma recordação da importância das palavras e seu potencial de infringir a dor por um lado e, por outro, sua capacidade de criar novos mundos.
Shabat Shalom!
Rabino Michel Schlesinger