A responsabilidade dos pais pelos filhos é um pressuposto, mas existe alguma responsabilidade dos filhos para com os pais pressuposta também?

Espera-se que pais cuidem, sustentem, ensinem seus filhos. Protejam, desafiem, estimulem, assinalem limites, instiguem o pensamento crítico, desenvolvam a vontade de autonomia, a realização pessoal, a sensibilidade e responsabilidade social, a empatia e outros valores. 

E os filhos? Espera-se que respeitem os pais e que cuidem deles quando as forças se inverterem. 

E as culpas? E as dívidas? Filhos pagam pelos feitos dos pais? Embora diríamos que não é justo, muitas vezes legalmente filhos herdam dívidas, assim como bens. Herdam brigas, assim como privilégios. Herdam pendências, assim como genes e modos, mais ou menos cientes. Herdam preconceitos — na forma como olham e na forma como são vistos.

Entretanto, assim como podemos trabalhar para desenvolver virtudes que vemos nos nossos pais, podemos e devemos também trabalhar para melhorar o que eles não conseguiram. A educação e a psicologia costumam auxiliar nessas funções.

E quando se trata de outros? Somos capazes de separar e não exigir dos filhos o que esperamos dos pais? Conseguimos abrir uma “folha branca” sem esperar que sejam melhores que os pais, que os superem, que consertem seus erros, que compensem seus danos? E no nível sociocultural?  

Uma das discussões mais difíceis dos primeiros anos do estado de Israel foi a relação com a Alemanha. Concretamente, a aceitação das ofertas de indenizações pela Shoá (Holocausto).

Há quem declara se opor a visitar Alemanha ou Polônia, e até a falar a língua. Embora, na minha opinião, os sobreviventes sejam “injulgáveis”, sem dúvida cabe às gerações seguintes revisitar essas premissas.

A parashá da semana estabelece três regras sobre esse tema:

  1. Não odiar egípcios nem edomitas;
  2. Não converter (ao judaísmo) moabitas nem amonitas;
  3. Não matar filhos pelos pais nem pais pelos filhos.

O terceiro princípio resolve e esclarece a questão, acima de qualquer dúvida. Os outros dois são mais complexos. Os edomitas são os descendentes de Esaú, irmão rival de Iaacov, de quem descendemos. Embora em todas as gerações existam interpretadores que dizem que o mundo se divide em “nós” e “eles”, que existe uma guerra eterna essencial, existencial que nos define e cria nossa identidade, a Torá diz o contrário nessa parashá. Os edomitas são nossos irmãos e temos proibido odiá-los. De igual modo, justamente porque o Egito é o símbolo bíblico de quem ocasionou o maior sofrimento e a maior humilhação e alienação. Precisamente eles, os egípcios, são o objeto da proibição do ódio. Assim, baseado nisso, os talmudistas leram o segundo princípio, séculos mais tarde, e se atreveram a mudá-lo: decidiram que Ruth, a moabita, é o símbolo da conversão “kasher” ao judaísmo! 

Na minha opinião, aprendemos dessa reforma dois ensinamentos importantes:

a) Não se deve condenar eternamente gerações de filhos pelas atitudes dos pais. Pelo contrário, deve-se descobrir o modo de transformar. A nós mesmos na forma como olhamos para eles, e a eles, na forma como se colocam conosco.

b) O judaísmo muda, a Torá muda, em prol de sua própria busca pelo melhor. 

 

Shabat shalom,

Rabino dr. Ruben Sternschein