Roupas e Máscaras

“A roupa não faz o homem” diz o ditado brasileiro, mas a parashá desta semana traz instruções explícitas de como devem ser as roupas e os acessórios que os cohanim, incluindo o Cohen haGadol, usarão. Os comentaristas debatem qual o impacto dessas roupas especiais que os sacerdotes devem usar: há aqueles que apontam para a necessidade de distinção entre sacerdotes e o resto do povo e aqueles que acreditam que o uso da roupa confere uma distinção que é incorporada também na maneira como os sacerdotes se comportam.

Será que nos comportamos de forma mais séria, sisuda ou sofisticada quando nos vestimos mais formalmente? Será que as roupas de banho e chinelos que usamos na praia e na piscina também se refletem no linguajar e nas brincadeiras que adotamos nestes lugares? Entre estes dois casos, qual traje será que melhor reflete a nossas verdadeira personalidade, o nosso mais profundo “eu”?

Diferentemente de outras culturas, tradicionalmente, judeus não são enterrados com roupas, mas envolvidos em uma mortalha branca. Partimos deste mundo buscando refletir a mais pura essência de quem somos e pareceu apropriado à tradição eliminar qualquer impacto que as roupas pudessem ter. Nesta mesma linha de raciocínio, Avraham Burg, ex-presidente da Agência Judaica e do Parlamento Isralense, comenta que a palavra em hebraico para “roupa” (bégued) vem da mesma raiz que a palavra para “traição” (beguidá) e que a palavra para “casaco” (me’il) vem da mesma raiz que “fraude” (me’ilá). A língua hebraica reconhece implicitamente que as roupas ajudam a compor as máscaras que utilizamos na composição de nossa persona e, desta forma, nos ajudam a contar pequenas mentiras sobre nós mesmos.

Daqui a pouco mais de um mês, celebraremos Purim, a festa judaica em que fantasias e máscaras ocupam lugar central e está na hora de começarmos a planejar que fantasias usaremos. No texto da Meguilat Ester, as roupas e acessórios já têm grande destaque e na comemoração da festa nos permitimos brincar e adotar, através da roupa, outra personalidade, ao menos por umas horas. Algumas vezes, nos fantasiamos do mais absoluto inverso da realidade que vivemos e, desta forma, experimentamos o mundo através da perspectiva do outro. Outras vezes, nos fantasiamos daquilo que mais gostaríamos de ser e aproveitamos a festa para realizar este sonho, mesmo que temporariamente. Ao final da festa, tiramos nossas fantasias e voltamos às nossas máscaras do dia-a-dia.

O que aconteceria se nos permitíssemos remover todas as máscaras e nos apresentássemos ao mundo como realmente somos? Se é verdade que a roupa não faz a pessoa, então quem é a pessoa que se esconde por baixo de tanta roupa? Que neste shabat Tetsavê consigamos – mesmo que apenas por alguns instantes – nos relacionar com aqueles que mais amamos sem os uniformes, sem as máscaras, sem os formalismos, sem as brincadeiras forçadas. Que possamos apenas SER na relação um com o outro e que, assim, nossas almas descansem e sejam revitalizadas.

 

Shabat Shalom,

Rabino Rogério Cukierman

 

¹ Burg, Avraham. Very Near to You: Human Readings of the Torah. Gefen Publishing House: 2012. p. 176.

²  Veja, por exemplo, Ester 1:11, 4:1, 5:1, 6:7-11.