De acordo com a tradição, foi no sétimo dia de Pêssach, 21 de Nissán, que o povo hebreu cruzou o Mar de Juncos e abandonou a terra das águas estreitas (Mitsrayim) para encontrar a liberdade na imensidão do deserto. Neste ano, 21 de Nissán cai no shabat, quando o trecho da Torá tradicionalmente incluirá Shirat haYam, o poema que os hebreus cantaram ao cruzar o mar [1].

Não é difícil imaginar a angústia pela qual passavam aqueles hebreus antes da abertura do mar: de um lado, as tropas egípcias chegando; de outro, o mar à sua frente. Se ficassem, seriam mortos pelos soldados que os perseguiam; se seguissem, morreriam afogados. Finalmente, Moshé levantou seu cajado e o segurou sobre as águas do mar e Deus fez com que ele se abrisse, permitindo que o povo hebreu fizesse a travessia em segurança.

Ao analisar essa passagem, um antigo midrash diz que, no Mar de Juncos, Deus apareceu ao povo como uma pessoa jovem e, no Monte Sinai, Deus lhes apareceu como uma pessoa idosa.[2] O mestre chassídico Levi Itschac de Berditchev explica que essa ideia de que Deus era jovem quando abriu o mar se refere ao fato de que Deus subverteu as leis da natureza para abrir o mar, da mesma forma que jovens não prestam especial atenção às regras. A abertura do mar, no entanto, foi uma exceção — Deus costuma agir dentro das regras naturais, como o próprio Levi Itschac comenta a respeito das comemorações de Chanucá e Purim.[3]

Muitas vezes, ainda esperamos do Divino o nível de intervenção direta que vimos na narrativa de Pêssach, comandando os eventos da história, prestando atenção aos clamores do povo, estabelecendo a justiça onde ela estava em falta. Nossa experiência histórica, no entanto, aponta em outra direção, na qual Deus espera que a humanidade aja, escutando os clamores dos vulneráveis, corrigindo suas injustiças (especialmente as sistêmicas), cuidando da Terra e de todos que nela vivem. O Deus jovem da abertura do mar deu lugar à “voz mansa e delicada” [4] e dependemos da fagulha divina em cada um para observarmos a ação Divina no mundo.

Não foram raros os momentos do nosso passado recente em que esperamos, passivos, a intervenção divina, mas parece que não vivemos na época do Deus jovem que subvertia as leis da natureza e hoje é nossa ação que se faz necessária. Em seu discurso na Marcha em Washington em 1963, imediatamente antes de Martin Luther King proferir seu famoso discurso “Eu tenho um sonho”, o rabino Joachim Prinz disse que, baseado em sua experiência vivendo na Alemanha Nazista, “o mais urgente, o mais vergonhoso, o mais vergonhoso e o mais trágico problema é o silêncio.”

Deus se manifesta de forma distinta em cada momento — que este Shvií shel Pessach (o sétimo dia de Pêssach) no qual voltamos a cruzar o mar dos juncos, nos inspire novamente e nos encorage a agir para um mundo em que todos possam chegar à sua amplidão e liberdade.

 

Shabat Shalom,

Rabino Rogério Cukierman

 

[1] Ex. 15:1-18

[2]  Pessicta Rabati 21:5

[3] https://www.huffpost.com/entry/divine-light-human-hands-_b_793011

[4] 1 Reis 19:12