No último domingo (11), os rabinos Ruben Sternschein e Tati Schagas receberam Darcy Costa para um bate-papo sobre sua história como ativista social que já esteve em situação de rua.
Esse foi o segundo encontro de Bein HaMetsarim promovido pela CIP este ano. No primeiro bate-papo, os rabinos Rogério Cukierman e Michel Schlesinger receberam Emerson Ferreira, ex-presidiário e psicólogo, para conhecer e refletir sobre sua história.
Em tradução literal, Bein HaMetsarim significa “entre lugares estreitos” e, vivenciando a data em comunidade, tivemos conversas sobre os “lugares estreitos” da nossa sociedade contemporânea — e como sair deles.
No encontro, Darcy relatou que, devido a problemas financeiros e de relacionamento, foi para a rua para não causar mais atritos dentro de casa. Seu primeiro contato com as drogas foi aos 11 anos e, depois de casado e com filhos, Darcy teve uma recaída que provocou essa reviravolta.
“No momento em que me vi naquela situação, me senti muito inseguro e com muito medo. A gente imagina que todo mundo na rua vai ser violento, que tudo vai ser pior do que já estava, mas onde eu imaginei que teriam as piores pessoas foi onde encontrei alguma solidariedade”
Ele conta que perder sua família foi a parte mais dolorosa, mas a solidariedade encontrada na rua fez com que ele tivesse força para se reerguer: “É como se eu já não tivesse mais para onde cair — eu estava no fundo do poço, e não me restava nada além de subir”.
Darcy viveu na rua ao longo de 3 anos e meio, e recorria a serviços de assistência social para comer, ter onde dormir e tomar banho. Além de precisar entender como funcionavam as regras implícitas para viver naquele ambiente, ele teve que se entender novamente como pessoa para poder criar relações nessa nova fase.
“A solidariedade que a rua tem com a rua, de acolher quem chega, de oferecer ao próximo a marmita que acabou de ganhar… Era um sentimento de aceitação que eu já havia perdido na minha família anterior e na sociedade. Na rua eu não me sentia julgado. Me sentia aceito”
Encontrando os movimentos sociais que lutam pela população de rua, Darcy naturalmente se envolveu com outras pessoas, largou as drogas e se envolveu cada vez mais no ativismo.
“Centros de acolhida são grandes galpões muito insalubres, lembrando muito a época das grandes senzalas, onde os negros escravizados dormiam amontoados. É como se fosse um grande semiaberto — tratam a população de rua como se fosse um grande pátio de prisão a céu aberto”
Para Darcy, a população de rua precisa de um conjunto de ações que permitam com que as pessoas tenham a opção de sair dessa situação: “Hoje, essa escolha não existe. Ninguém consegue sair da situação sozinho. Essa população precisa de cuidados desenvolvidos por profissionais que realmente conheçam a situação da rua”.
“O preconceito que as pessoas têm sobre a população de rua, o uso de drogas e as violências faz com que essas pessoas sejam culpadas por sua condição, sem a consciência de que isso é o resultado de um produto governamental”
Darcy afirma que esse preconceito afasta as pessoas de suas responsabilidades em ajudar. Para ele, ainda não conseguimos construir uma sociedade conectada, onde a missão de um é cuidar do outro. “É um mito [que existam pessoas que não saem da rua de propósito]. Ninguém gosta disso, eu não conheço ninguém. Eu já vi muita gente chorando querendo sair daquela situação, mas é como se fosse uma prisão. A pessoa não consegue sair dali. Não existe oportunidade”, diz ele.
“Quem está na rua não pensa no dia seguinte, só pensa em se manter vivo mais um dia. Essa solidariedade é partilhada de maneira com que a gente possa sobreviver junto a mais um dia”
A rabina Tati Schagas afirma que “o judaísmo fala de justiça social — não ajuda social, ou ação social, mas justiça social”. Para ela, é necessário compreender que existem direitos básicos que pertencem a todos os seres humanos. “É responsabilidade da sociedade não permitir com que seres humanos estejam nessa situação”, ela afirma.
Para o rabino Ruben Sternschein, precisamos sempre lembrar que “a pessoa em situação de rua é, acima de tudo, uma pessoa — não é parte da rua, parte da paisagem, não está lá porque quer. Ela tem uma humanidade, emoções, depressões, necessidades, arte, espiritualidade…”