Realmente as águas do mar vermelho se abriram?
 
Alguns diriam que sim. A abertura do mar é um “divisor de águas” entre os que acreditam e os que não. É o teste, a prova.
 
Para outros não existe tal “divisor de águas” entre crer e não crer. Pode se acreditar em algumas coisas e não em outras. De fato, irão dizer que todos acreditam em algo. Não existe o ceticismo absoluto. Até por que ele também seria uma crença, uma vez que não é demonstrável. Afirmar que não existe Deus, que não existe nada além do visível, compreensível, raciocinável, é um dogma que não pode ser provado. A transcendência, o além do imediato e o inerente ao humano.
 
Neste segundo grupo estarão todos os demais. Os que não afirmariam contundentemente nem o sim, nem o não.
 
Uns sustentam que se trata da maré. Para eles, Moises sabia do momento justo da descida e da subida. Outros preferem recorrer à leitura metafórica. Assim como a expressão “Deus te tirou da escravidão com mão forte e braço estendido” não é interpretada por ninguém como insinuando que a divindade bíblica possui corpo, e assim como a ordem “estarão as palavras prescritas gravadas em teu coração” não manda intervenção cardiológica alguma, de igual modo, a abertura do mar não foi necessariamente literal.
 
Poderia indicar a superação de dificuldades, ou a evolução e o avanço em direção a “novas terras”, novos contextos históricos, novos modos de agir, de se conduzir, e de ser.
 
Entre ambas posturas gostaria de propor mais uma. Sem literalidade dogmática e sem metáfora radical: Com algo de ambas.
 
A narrativa da abertura do mar assinalaria a interação entre a natureza e a história. Interação que também apresenta opções diversas. Para uns a natureza se submete a leis rígidas e a historia é a produção da liberdade humana. A história seria a intervenção humana na natureza. Para outros, esta interação deveria ser lida em forma oposta: a História da liberdade humana estaria condicionada pela natureza em si e pela natureza de cada protagonista da história.
 
Finalmente outros sustentam que a interação entre história e natureza consiste numa influência mútua, uma vez que as condições naturais determinam a historia e esta por sua vez muda as condições naturais permitindo novas histórias.
 
Não podemos provar nada do acontecido no mar vermelho, mas talvez a possibilidade de escrever a história de nossas naturezas cientes de suas possibilidades e limitações, seja um desafio digno que contribua com o sentido de nossas vidas.