Liberdade… algo que deve vir de dentro

A Parashá VaErá “e Apareci” (Ex.06:02 a 09:35) , segunda do livro de Shemot (Êxodo), inicia com Deus chamando Moshe e Aharon e dizendo que se recordou de seu povo e do pacto que fez com nossos patriarcas.Ele convoca ambos a dizerem aos filhos de Israel que os libertará do jugo do Egito e os conduzirá à terra de Canaã. Moshe fala com os Israelitas mas estes não o escutam. Então, questiona Deus como o Faraó o irá escutar se nem seu povo o escutou!!

 

A história, bem conhecida, tema de filmes e animações das mais diversas qualidades e orçamentos, segue com Deus orientando Moshe e Aharon como utilizar os poderes “mágicos” divinos para sinalizar Sua presença na Terra. O primeiro sinal é o cajado de Aharon que se transforma em serpente e após terem os mágicos egípcios replicado o mesmo  “truque”, devora as serpentes que vieram dos cajados egípcios. Na manhã seguinte, com o mesmo cajado, foi ordenado a Aharon que ele deveria “ferir” as águas do Nilo, transformando-as em sangue, a primeira das pragas enviadas por Deus contra o Faraó e seu povo. À praga do Sangue, seguem outras seis pragas nessa Parashá, ficando as últimas três pragas no texto da próxima Parashá Bo “Vá” (Ex.10:01 a 13:16).

Sem ser spoiler, permito-me invadir um pouco o texto de Bo.

Antes de tudo começar, Deus diz a Moshe e seu irmão Aharon “… eu endurecerei o coração do Faraó e multiplicarei os meus sinais e meus prodígios no Egito” (Ex.07:03). Diz também que o Faraó não os ouvirá e por isso Deus irá estender sua mão sobre o Egito e assim eles saberão que Ele é o Eterno.

 

A cada praga o Faraó decide libertar o povo mas seu coração, endurecido por Deus, o faz voltar atrás. E Deus endureceu o coração do Faraó para poder estender sua mão sobre o Egito e assim “saberão os egípcios que eu sou o Eterno…” (Ex.07:05).

 

Quando converso com meus alunos sobre essa passagem a maioria se revolta e me questiona por que Deus teria feito tantos egípcios sofrerem com tantas pragas se com uma o Faraó já libertaria o povo. Seria Deus vaidoso ao ponto de ter feito isso apenas para que os egípcios o conhecessem e para multiplicar seus sinais e prodígios sobre a Terra? É claro que todos (até agora, pelo menos…) preferem, junto comigo, acreditar que não seja esse o motivo. Mas então, por que Deus teria endurecido o coração do Faraó e avisado Moshe que ele não iria o ouvir?

 

Da mesma forma que o povo não escutou Moshe, que se dizia “incircunciso dos lábios”, o Faraó não escutaria Aharon, intérprete de Deus junto a Moshe. Seriam preciso 10 pragas para que o aviso de Deus que libertaria o seu povo fosse escutado.

 

Segundo o texto do congregar de 2016 desta Parashá, primorosamente escrito pelo querido More Theo Hotz, cada uma das pragas teria atacado um aspecto vital do Egito e de sua mitologia. Assim, diversos sinais teriam assolado o Egito e suas crenças, atingindo por fim o próprio Deus-homem, o sucessor do Faraó. O texto está no site da CIP.

 

Essa explanação deixa clara a necessidade de nos desvincularmos daquilo que nos oprime para que se atinja a liberdade, inclusive das crenças e cultura do opressor.

Mas quero chamar atenção para a décima praga. Precisávamos chegar à décima praga!!

Diferente de todas as demais, a morte dos primogênitos demandou a participação ativa do povo. Foi pedido que todos sacrificassem um cordeiro primogênito em perfeito estado e com seu sangue marcasse os batentes das portas de suas casas. Nesse momento pergunto aos meus alunos: “Você marcaria sua porta?”. A maioria fica na dúvida mas acaba respondendo que sim. Quando lembro que todo o Egito iria ver no dia seguinte que quem marcou a porta não sofreu a praga e que até mesmo vizinhos podem ter optado por não marcar, a maioria muda de idéia e decide não marcar.

 

O que está em jogo aqui é uma escolha – ficar no Egito (Mitsraim, terra Estreita) e continuar com a vida sem possibilidade de mudanças mas com a segurança de saberem onde moram e que terão comida e bebida; ou, sair do Egito seguindo Moshe e Aharon por um deserto repleto de oportunidades, mas também cheio de inseguranças, sem ter onde morar e nem garantia do que irão comer e beber.

 

Entendo que quando Deus diz para Moshe que irá libertar seu povo, ele não se referia a saírem do Egito e do trabalho servil que tinham lá, mas sim de terem a liberdade de escolher. Seu povo seria, à partir daquele grande evento Bíblico, as pessoas que “em liberdade” escolheram acreditar nas promessas feitas aos nossos patriarcas e matriarcas e renovadas à Moshe de que seriam conduzidos a uma Terra que emana leite e mel.

 

Que possamos, diariamente e em liberdade, escolher mais vezes o caminho do deserto inseguro de possibilidades do que a segurança de uma vida estreita.

 

Shabat Shalom