Mediocridades da arrogância

Conta uma velha piada israelense que perguntaram ao ole chadash (novo imigrante) número mil da ex-união soviética:

– diga-nos, como era a comida na URSS?

– não posso reclamar

– e o trabalho?

– não posso reclamar

– e a política?

– não posso reclamar

– e a economia ?

– não posso reclamar

– e então por que veio a Israel?!

– porque aqui sim posso reclamar!

 

Shimon Peres costumava dizer que o segredo do progresso israelense e judaico foi o espírito não conformista. A disposição a reclamar, a aplicar a tudo um olhar crÍtico e exigente.

Acredito que tem razão.

Todavia, existe na atitude de reclamar uma possibilidade medíocre muito próxima de seu oposto, isto é do conformismo. Em ambos os casos podemos nos debruçar com uma postura passiva, desprovida de iniciativas, e carente de qualquer capacidade de transformação. 

A reclamação muitas vezes tem a forma de crítica aos outros, a todos menos a nós mesmos. Ela vem de uma suposta ideia de superioridade, que disfarça e legitima a passividade.  Assim como o conformista legitima sua a inação com uma suposta satisfação do que é e do que tem. Ambos de algum modo dizem : Sou ótimo, estou ótimo, sei tudo, faço tudo bem e por tanto não preciso aprender, mudar, me esforçar. 

Quantas vezes apressamo-nos a nos conformar com menos do melhor por preguiça, por incapacidade ou por temor a não conseguir superar. De igual modo, muitas vezes a reclamação se foca no que supostamente não depende de nós e não terá como mudar. Em ambos os casos existe um fundo arrogante. No primeiro, a pessoa tende a disfarçar seu conformismo de satisfação. Ficamos apreciando e elogiando demais o que temos e o que somos a fim de não ter que melhorar. 

No segundo, a crítica é depositada em tudo menos em nós mesmos, como se disséssemos que tudo mal não é nosso por definição (ou que  a nós apenas nos cabe o bem). Em ambos casos não tomamos atitude alguma. No primeiro por suposta satisfação no segundo por suposta impossibilidade. 

A parashá Ekev adverte ambas. O discurso de despedida de Moshé lembra a travessia no deserto e indica a importância da gratidão pelo recebido, por um lado, a necessidade de se esforçar em Israel por outro, e a memória como ferramenta para não se acomodar e não se confiar. 

Não chegar a Israel pensando que tudo cairá do céu sozinho, não ficar preso a mínimos, nem desenvolver pena de si próprio senão que se direcionar sempre ao melhor, e, uma vez atingido, não se vangloriar demais a risco de impedir qualquer progresso ulterior. 

Que saibamos nos  ver aquém do possível e ao mesmo tempo capazes de mais, olhar para o que temos e somos com espírito crítico e grato ao mesmo tempo.  Aquele que permite apreciar o que não depende de nós e melhorar o que sim está nas nossas mãos.

Shabat shalom
rabino Dr. Ruben Sternschein