
Três nomes temos todos, segundo a tradição judaica. Um nos é dado pelos pais, outro é aquele que nós mesmos nos damos, e o terceiro é o que nos dão os demais.
Entre estes dois últimos, existem versões e interpretações diferentes. Em alguns lugares, parece que o que nos é dado pelos demais é apenas o apelido, e o que nos damos a nós mesmos é o prestígio. Em outros lugares, parece que o nome que nos dão os outros é nossa imagem, nossos atos — como eles são recebidos —, enquanto o que nós nos damos é como somos vistos por nós mesmos.
O primeiro, o dado pelos pais, pode não se referir apenas ao nome próprio ou ao sobrenome, mas também, ou principalmente, à trajetória, à história — se somos de tal bairro, de tal cidade, de tal família. Conflitos e privilégios que herdamos, dívidas e vantagens. Ser “o filho de…” pode criar expectativas boas ou piores e determinar caminhos.
Na minha opinião, nos três casos existe algo que está fora de nós e algo que depende de nós. A herança recebida pode ser melhorada, igualada ou piorada. Seja ela financeira, social, cultural, psicológica, espiritual. O modo como nos identificam os demais e como nós nos vemos desde dentro também.
A parashá da semana começa apresentando o sobrinho-neto de Moisés como filho de Eleazar e neto de Aharon, o sumo sacerdote. Poderíamos ficar com essa parte. Mas, imediatamente, continua dizendo que acalmou a ira Divina ao zelar o zelo divino, citando o final da parashá passada. Naquele último episódio, Pinchas age de modo radical e violento, matando um casal que se desafiou ostensivamente das regras e valores combinados e, com isso, evitou que uma praga se propagasse.
Os comentaristas clássicos se dividem entre os que veem nele um exemplo a seguir pelo que fez e os que veem nele um exemplo a seguir pelo que mudou — nele e no próprio Deus!
A segunda opinião sugere que Deus e a Torá, que vinham resolvendo os problemas com violência colérica (após os espiões que não se atreveram a continuar a ida a Israel, Korach que queria combater o poder de Moisés etc.), se “acalma” ao ver tamanha violência e resolve mudar de padrão. “Por isso”, continua a parashá da semana, “lhe darei meu pacto de paz, e terá um pacto de sacerdócio eterno”.
Ou seja, Pinchas poderá herdar sua herança sacerdotal se, ao assumi-la, souber mudar os padrões até agora praticados pela sua família, seu povo e o próprio Deus, e adotar o caminho da paz. O sacerdócio não será mais uma mostra de violência e radicalismo, e sim um pacto de paz.
Que possamos herdar, assumir nossos nomes e olhar e impactar os outros através dos potenciais de aprimoramento.
Shabat shalom,
Rabino Dr. Ruben Sternschein