Quantas são as formas de se expressar oralmente? Podemos dizer, falar, expressar, opinar, expor, apresentar, exprimir, ordenar, narrar, contar e muitos outros verbos que usamos, às vezes de forma indistinta. Na Torá, também há várias formas de se expressar, centrais entre elas, “vaiomer” / “dizer” e “vaidabêr” / “falar” e a escolha do texto por cada uma dessas formas carrega consigo possibilidades intrerpretativas. Quando alguém “diz” algo, ainda que seja possível que exista uma resposta, não há essa expectativa; quando alguém “fala” algo, por outro lado, espera-se uma interação com a outra pessoa. Em português, podemos “falar” um com o outro, mas nunca podemos “dizer” com mais ninguém.  Em hebraico, os verbos “vaiomer” e “vaidabêr” operam basicamente da mesma forma.

Quando Deus cria o mundo através da palavra, usa unicamente o verbo “vaiomer”. Esse também é o verbo que Deus usa para endereçar as primeiras pessoas criadas: Adám, Chavá e seus filhos Caim e Abel. Em algumas dessas interações, as pessoas respondem às afirmações Divinas, mas a escolha do verbo utilizado indica que Deus não esperava essas respostas. Essa conduta parece se alterar na parashá desta semana quando, ao final do episódio do Dilúvio, Deus, dirigindo-se a Nôach, usa pela primeira vez o verbo “vaidabêr”. 

O rabino Beny Lau sugere que o uso de “vaidabêr” indica uma mudança de paradigma de comunicação, estabelecendo uma conversa, uma troca. O paradigma anterior, no qual as expressões Divinas se davam através de instruções e ordens, levou à expulsão do Jardim do Éden, ao assassinato de Abel e ao estado de corrupção e degradação que fez Deus decidir destruir o mundo que havia criado. Mesmo assim, durante a construção da arca, Deus continua endereçando Nôach apenas através de ordens unilaterais e Nôach as cumpria sem questionar. Ao final do Dilúvio, no entanto, Deus decide reconstruir Seu mundo a partir de uma nova forma de relacionamento: o diálogo. É a partir das possibilidades abertas pela troca que o primeiro pacto entre o Divino e humano pôde ser estabelecido. 

Se durante os primeiros capítulos da Torá, Deus criava e transformava o mundo através do unliateral “vaiomer”, o diálogo com Nôach representado pelo uso de “vaidabêr” permite que Deus, pela primeira vez, seja transformado pelo encontro. É essa possibilidade que leva ao pacto, simbolizado pelo arco-íris, no qual Deus conclui que nunca mais vai destruir o mundo devido ao seu compromisso com a Criação e com todos os seres vivos da Terra.

A cada geração, temos tido que revisitar nosso compromisso com a parceria na criação do mundo. Parashat Nôach é uma oportunidade de nos perguntarmos se o fazemos através de ações e afirmações unilaterais ou em diálogo e parceria com todos que são parceiros nesse compromisso.

Shabat shalom,

Rabina Tati Schagas