O futuro que queremos construir hoje

Imagine que você está de volta a junho de 2019. No meio da limpeza da sua área de serviço encontra uma máquina do tempo e resolve usá-la para ver como o Brasil estará dali a um ano. Chega a este junho de 2020, encontra um país com quase cinquenta mil mortos por uma doença da qual você nunca tinha ouvido falar, a economia completamente desestruturada, as instituições políticas em sua maior crise em quatro décadas, conflitos raciais em várias partes do mundo. A sua máquina do tempo começa a apitar, indicando que está na hora de voltar para 2019 e você corre para não ficar nesse cenário distópico; quando percebe, está de volta à área de serviço da sua casa. 

O que você faria no ano passado se soubesse como estariam as nossas vidas hoje? Você mudaria sua conduta sanitária e passaria a usar álcool gel, luvas e máscaras antes que a pandemia chegasse? Você contactaria as autoridades para que as medidas cabíveis – a nível local ou nacional – fossem tomadas antes da chegada do coronavírus? Simplesmente aceitaria que não havia nada que pudesse ser feito para evitar a crise, alugaria uma casa no interior e tentaria manter a sua família segura?

Na parashá desta semana, Shelach, Moshé envia doze líderes das tribos para investigar a terra de Israel, na qual os hebreus esperavam entrar em breve, para identificar o que os aguardava: se as pessoas que lá moravam eram fortes ou fracas, se a terra era boa ou ruim, se as cidades eram ou não fortificadas, se o solo era fértil ou não, se nela haviam ou não árvores. Esses enviados investigaram a terra por quarenta dias e, ao voltarem, apresentaram um relato desanimador: a terra era boa e dela fluía leite e mel, mas o povo que lá vivia era muito forte e as cidades fortificadas. Não havia chance de que os hebreus conseguissem conquistar aquele território. Dos doze enviados, apenas dois apresentaram uma narrativa distinta, argumentando que os hebreus, tendo Deus ao seu lado, certamente teriam sucesso na conquista da terra.

Doze enviados, que tiveram a mesma experiência em sua visita à terra de Israel, mas reações radicalmente diferentes. De um lado, frente aos desafios e às incertezas, dez deles decidiram nem mesmo tentar. Aceitaram que, dada a derrota inevitável, o melhor a fazer era lamentar e, quem sabe, convencer o povo a retornar à servidão em Mitsrayim, a terra das águas estreitas. Apenas Iehoshua e Caleb foram capazes de, apesar de enxergar as dificuldades, acreditar também no potencial de superá-las. Por ter dado ouvido aos dez enviados com relatos pessimistas, o povo foi condenado a passar quarenta anos vagando pelo deserto, até que uma nova geração de hebreus estivesse disposta a enfrentar os desafios e entrar na terra de Israel.

Se você soubesse ontem sobre os desafios de hoje, o que faria diferente? Esse exercício, pode parecer fútil quando olhamos só para o passado, afinal de contas não fizemos essas coisas diferentes e não temos como reescrever o passado, nem escapar da situação em que estamos vivendo (a menos que você tenha uma máquina do tempo escondida na sua área de serviço!). Mas se pensarmos em como respondemos aos desafios que já conseguimos enxergar (ou que enfrentamos no presente), podemos alterar o futuro. 

Se formos como os dez enviados que retornaram da Terra Prometida com relatos pessimistas, aceitarmos que nossas ações não são capazes de transformar a situação, estaremos fadados à nossa versão dos quarenta anos no deserto.

Se por outro lado, seguirmos os exemplos de Iehoshua e Caleb, reconhecermos as dificuldades e procurarmos enfrentá-las de verdade, talvez consigamos ainda estancar o avanço da pandemia e saiamos dessa crise com cidades mais humanas e menos desiguais, com a consciência de que todos precisamos trabalhar para criar justiça racial no Brasil, com uma democracia mais estável e respeitosa das suas instituições, com um povo que se vê valorizado em seu direito à vida e à saúde.

Sabendo o que você sabe hoje, qual amanhã você vai construir?

Shabat Shalom!

Rabino Rogerio Cukierman