Neste ano, começamos a leitura do livro de Bereshit exatamente no fatídico dia que dividiu o mundo judaico na contemporaneidade: 7 de outubro. Teria sido um dia de muita alegria, mas ao contrário, foi um dia de muita dor e terror, somado a muita reflexão sobre o que faríamos com a nossa celebração de Simchat Torá. Decidimos manter o encontro anunciado, sem a devida simchá (alegria), mas com muita torá (ensinamento). 

A partir daquele dia, percorremos toda a narrativa da criação e relembramos a saga dos nossos patriarcas e matriarcas, com seus altos e baixos. O livro de Gênesis terminou com o relato de mais um alto (a subida à terra de Israel para sepultar Yaakov) e um baixo (a descida de Iossef e seus irmãos ao Egito). Em paralelo, tivemos altos e baixos emocionais pelas vidas ceifadas e pela situação dos reféns em Gaza, seguidas por libertações a conta-gotas, interrompidas prematuramente, antes que tivéssemos todos de volta.

O recorrido por esse primeiro livro da Torá terminou no último Shabat. Três luas novas se passaram desde aquele momento, e aqui nos encontramos novamente abrindo um novo livro, Shemot ou Êxodo. Aqui começa a narrativa de uma nova criação: a de um povo.

Mas o primeiro versículo do novo livro (Êxodo 1:1) nos leva de volta ao Bereshit (Gênesis 46:8):

ואלה שמות בני ישראל הבאים מצרימה

“E estes são os filhos de Israel que vieram ao Egito…” 

O que a Torá quer nos ensinar com essa repetição de palavras? Nachmânides, comentarista medieval da Torá, explica que, “embora sejam dois livros, a história está conectada por eventos que acontecem, um após o outro”. 

Ambos, Bereshit e Shemot, descrevem uma criação. Bereshit termina com a saída de uma família de Israel, enquanto Shemot termina com uma viagem dessa família, já constituída como povo, de regresso a Israel. Desde essa perspectiva, podemos nos ver, de alguma maneira, refletidos no texto da Torá. 

Talvez essa seja a razão pela qual a leiamos todos os anos, como uma fonte inesgotável de compreensão de quem somos. Talvez seja esta uma resposta possível, ou ao menos a nossa maneira de tentar responder às três grandes questões existenciais: De onde viemos? Por que estamos aqui? Aonde iremos?

Foram muitas idas e vindas da e à terra de Israel. Duas marcantes diásporas e retornos que podem ilustrar essa similitude com a Torá são o exílio babilônico e o retorno sob o império persa; e a dispersão imposta pelos romanos, seguida pelo retorno promovido por Theodor Herzl.

Em nenhuma das saídas perdemos de vista de onde tínhamos saído. Quando nossos antepassados estiveram fora da terra, a esperança do regresso foi registrada nos textos escritos em forma de versos ou poemas desde terras alheias. Sobre o porquê estamos aqui, sempre fomos ensinados a olhar à nossa volta para fazer sentido da nossa existência, melhorando o mundo no qual vivemos. Em qualquer dos casos, desde 1948 sabemos que temos aonde ir, quer por opção, quer por falta dela.

Mas assim como descobrimos novas interpretações a cada nova leitura do texto da Torá, também novas luzes surgem de diferentes intérpretes. É o caso de Rashi, outro comentarista medieval, que olha para o mesmo versículo visto por Nachmânides, e outra coisa lhe chama a atenção na repetição da Torá entre Bereshit e Shemot: a ênfase na individualização. Cada um dos filhos de Israel foi mencionado por seu nome, junto com suas respectivas famílias. Por isso não apenas enumera o número dos que saíram, como também os nomeia. Rashi explica que isto “demonstra o quão queridos eles [os filhos de Israel] eram para Deus”. 

Shemot, em hebraico, quer dizer “nomes”. Nomear é um ato de amor. Em 7 de outubro, alguns dos filhos de Israel foram levados à força para fora da terra. No segundo mês desse abrupto assalto, alguns retornaram a casa, fruto de muita negociação e clamor, apesar do silêncio de muitos. Outros permanecem ausentes, mas em cada uma das nossas manifestações, eles são contados e reivindicados por seus nomes próprios. Suas histórias e imagens inundam nossas redes sociais, nossos pensamentos e movem nossas ações. 

A simchá que nos foi interditada em 7 de outubro com sua saída ao começo da leitura de Bereshit será reinaugurada quando o retorno for uma realidade. Por agora, seguimos rezando e fazendo o que estiver ao nosso alcance para isto, esperando que o retorno aconteça durante este ciclo de leitura de Shemot. Aprendemos com a leitura da Torá que tanto a saída (por fome, expulsão ou rapto) quanto o regresso a Israel já nos foram ensinados ser parte da nossa história.

Que neste shabat, mentalizemos durante a leitura de Shemot: “e estes são os filhos de Israel que voltaram a casa [Shiri e Yarden Bibas e seus filhos Ariel e Kfir, Noa Argamani e Avinatan Or, Eitan e Yair Horn, Yagev Kirsht, Alexander Trupanov, Ariel e David Cunio, Dolev e Arbel Yahuv, Doron Steinbrecher, Itzhak Gelerenter, Naama Levy, Yousef Zyadna, Elad Katzir, Ohad Ben Ami, Gali e Ziv Berman, Shlomo Mansour, Michel Nisenbaum, Daniela Gilboa, Itay Chen, Matan Angrest, Yosi e Eli Sharabi, Agam Berger, Edan Alexander, Kaid Farhan Elkadi, Matan Zanguaker, Keith Seigel, Omri Miran, Bipin Joshi, Ilan Weiss, Amiram Cooper, Oded Lifshitz, Haim Peri, Avraham Munder, Omer Neutra, Ron Benjamin, Louis Har, Fernando Simon Marman, Judith Weinstein Haggai, Alex Danig, Itzhk Elgarat, Gadi Moses, Yair Yaakov, Nimrod Cohen, Tsachi, Idan, Ronen Engel, Karina Ariev, Ofer Kalderon, Yoram Metzger, Nadav Popplewell, Omri Miran, Liri Elbag, Lior Rudaeff, Shlomi Ziv, Alexander Lobanov, Ori Danino, Almog Sarusi, Omer Shem Tov, Idan Shtivi, Yosef Ohana, Andrei Kozlov, Elyakim Libman, Eden Yerushalmi, Chanan Yablonka, Jonathan Samerano, Guy Gilboa-Dalal, Uriel Baruch, Maxim Kharkin, Elkana Bohbot, Rom Braslavski, Omer Wenkert, Evyatar David, Eitan Mor, Alon Ohel, Almog Meir Jan, Inbar Heiman, Hersh Goldberg-Poin, Segev Kalfon, Orión Hernández Radoux, Romi Lesham Gonen, Bar Kuperstein, Eliya Cohen, Amit Buskila, Carmel Gat, Ohad Yahalomi, Dror Or, Tal Shoham, Tamir Adar, Sagui Dekel-Chen, Watchara Sriuan, Kiattisak Patee e Pongtorn]. Amén!

 

Shabat Shalom!

Rabina Kelita Cohen

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