O trecho de Torá que lemos esta semana se chama Chaiêi Sará (ou Ḥaiêi Sará), a vida de Sara. Contudo, esse texto não se inicia com o nascimento da matriarca, nem se dedica a contar sua vida. Ao contrário, dizem os primeiros versículos:
“A vida de Sara foi de 127 anos. Tendo Sara falecido em Kiriát Arbá, em Ḥevrón, veio Avrahám falar um hespêd e chorar pela sua morte” (Gn 23:1-2).
O hespêd é um discurso elogioso em memória de um ente querido, realizado hoje em dia ainda durante o velório. Para uma tradução criativa poderíamos ler “Tendo Sara falecido em Kiriát Arbá, em Ḥevrón, veio Avrahám dedicar-lhe algumas palavras em honra a sua memória e chorar pela sua morte”.
O judaísmo ensina que é uma mitsvá falar bem daquele que partiu, recordando suas características positivas a fim de perpetuá-las. É importante incentivar que seus descendentes fiquem com essas lembranças positivas e levem em frente essas memórias.
Curiosamente, porém, também há algo de positivo em se recordar um ou outro defeito do falecido. Do mesmo modo que aprendemos com nossos acertos e erros pessoais, também devemos aprender dos acertos da pessoa falecida, absorvendo suas características positivas e transmitindo-as aos demais, ao mesmo tempo em que aprendemos com as coisas que não eram boas, transformando-as em modelo para aquilo que não queremos colocar em prática.
É como se fizéssemos um ticún (reparo, conserto, aprimoramento) da vida do nosso ente querido, transmitindo ativamente aquilo que havia de positivo e conscientemente nos refreando de transmitir o que era negativo. Dos dois modos, nós honramos a memória daqueles que partiram.
Segundo a psicologia, muito do que nos incomoda no outro são coisas que não gostamos em nós mesmos. Recordando e praticando o positivo, nos aprimoramos como indivíduos. Mas o nosso aprimoramento também é alcançado quando lembramos o negativo, justamente para não o praticar. Ao mesmo tempo em que nos aperfeiçoamos como seres humanos também contribuímos para a elevação da alma daquele que partiu, honrando sua memória e fazendo dela uma fonte somente de bênçãos, de luz, de paz e de inspiração, como foi a vida de Sara.
A morte é parte da vida e não podemos escapar dela. Ao mesmo tempo, ela é uma oportunidade de nos transformar em indivíduos melhores. E essa oportunidade talvez passasse despercebida não fosse justamente pela falta que a ausência dos nossos queridos nos faz. Há algo de vida na morte. Por isso, a parashá que trata da partida da primeira matriarca e do primeiro patriarca traga certeiramente a palavra “VIDA” dentro dela: “Ḥaiêi Sará” – a vida de Sara.
Recordemos a vida para dar continuidade a ela. LeḤaim!
Shabat shalom,
Rabino Theo Hotz