Nessa semana começamos a leitura do terceiro livro da Torá, Vaicrá, lendo a parashá de mesmo nome.

 

Ao contrário dos outros quatro livros da Torá, o livro de Vaicrá não possui histórias que se desenrolam no decorrer de vários capítulos, sendo mais uma espécie de “manual de instruções”.

 

O livro basicamente se dedica a descrever e prescrever os diferentes tipos de sacrifícios animais e oferendas vegetais que caracterizavam o ritual judaico da antiguidade, explicando com detalhes muitas vezes desagradáveis (sobretudo a pessoas sensíveis) toda a atividade dos cohaním e leviím (sacerdotes e levitas).

 

Há quase dois mil anos o judaísmo não mais oferece sacrifícios animais ou oferendas vegetais, sendo que essa forma de culto foi substituída pelo rito litúrgico sinagogal, com suas rezas, leituras e música.

 

Alguém poderia se perguntar, e com razão, de que maneira um ritual litúrgico substituiria DE VERDADE o rito sacrificial, ordenado pela própria Torá e por Deus. Não estaríamos indo CONTRA a Torá e a Divindade, ao não realizar os sacrifícios por eles exigidos?

 

Nossos rabinos chegaram à radical conclusão de que a Torá NUNCA ORDENOU que fizéssemos sacrifícios! “Como assim?” – você poderia perguntar – “Existem inúmeras passagens que relatam sacrifícios na Torá”!

 

Ao ler os primeiros versículos de Vaicrá, chamou a atenção de nossos sábios do passado a utilização de CONDICIONAIS no texto. Diz a Torá: “QUANDO vocês oferecerem um sacrifício, assim deverá ser feito” (Lv 1:2); ou ainda “SE o sacrifício for uma oferenda de elevação, será oferecido um macho do gado, sem defeitos” (Lv 1:3).

 

Os condicionais “quando” e “se” levaram os rabinos a concluir que os sacrifícios NÃO ERAM OBRIGATÓRIOS, mas deveriam seguir procedimentos específicos, no caso de optarmos por eles. Ou seja, O SACRIFÍCIO EM SI NÃO FOI ORDENADO, mas sim a FORMA DE REALIZÁ-LO, na eventualidade de ser oferecido.

 

É interessante notar que, muito depois da Torá, na história judaica, houve profetas que se opuseram ao oferecimento de sacrifícios, ou que os desencorajam, por não virem acompanhados de sentimentos verdadeiros de gratidão, de arrependimento, entre outros.

 

Apoiados na tradição desses profetas, os rabinos concluíram que a tefilá (a reza) SUBSTITUÍA INTEGRALMENTE os sacrifícios e oferendas e, baseando-se nas palavras do profeta Hoshea, estabeleceram aquele que se tornou o rito judaico definitivo, a oração: “Busque PALAVRAS SINCERAS e com elas VOLTE-SE a Deus, dizendo: ‘Perdoe nossa iniquidade e aceite nossa boa intenção. Uneshalmá parím sefatêinu – e com nossos lábios substituiremos os sacrifícios’” (Os 14:3).

 

Na atualidade, enquanto alguns defendem a ideia de que um dia no futuro o Templo de Jerusalém será reconstruído, e que os sacrifícios animais voltarão a ser oferecidos, o Rav Kook (primeiro rabino-chefe do Estado de Israel) foi no sentido contrário, declarando que o Terceiro Templo será uma casa de oração, não de sacrifícios rituais, como na visão do profeta Isaías: “Ki beití ‘Bêit Tefilá’ icarê leól haamím” – “Minha casa será chamada de ‘Casa de Oração’ para todos os povos” (Is 56:7).

 

Shabat shalom,

 

Rabino Theo Hotz