Prédica – Presidente Mario Fleck

Discurso do presidente da CIP, Mario Fleck, enunciado na cerimônia de Col Nidrei, em 08 de Outubro de 2019

Be shi’va shel mala e be shi’va shel mata: em cumprimento do juízo celestial e do juízo terrestre. Al da’at ha makom vê al da’at hakahal: interpretando a sabedoria do amparo do mundo e o desejo da comunidade. Anu matirim lehitpalel im ha avarianim: permitimos comungar com esta congregação todos aqueles que tinham se afastado do judaísmo.

Com estas solenes e murmuradas palavras, demos iniciamos os serviços mais sagrados de nossa tradição e minha mensagem tem muito a ver com elas. 

  1. Chegamos. Duramos até aqui 58 séculos! Que viagem! Tantas outras nações e tribos, amigas e inimigas ficaram pelo caminho!

Minha mensagem, meus amigos, é de muito orgulho por estes mais de 50 séculos passados, ricos em história e em contribuição para uma civilização mais humana.

Quero compartilhar hoje aqui, porém, uma preocupação de proporções bíblicas sobre os próximos 50 anos – apenas meio século.

Consultei um grupo de pessoas que muito respeito em função de suas sabedorias, quais seriam as sete maravilhas do judaísmo para, com isso, talvez entender como nosso povo caminhou com tanta longevidade.

As sete respostas mais presentes foram as seguintes:

  1. Sobrevida e renascimento: ultrapassamos uma série infindável de conquistas, expulsões, perseguições e tentativas de extermínios. Há menos de um século, saímos da perspectiva da destruição total para a criação espetacular de Israel.
  1. Múltiplas faces, as principais: religião, cultura e nação – curioso é que para ser um bom judeu, não é preciso ter as três juntas.
  • Religião: a primeira monoteísta, a criadora dos 10 mandamentos e da Bíblia – seguida pelos manuais fantásticos da Mishná, do Talmud e tantos outros textos adotados até universalmente.
  • Cultura: língua, história, literatura, arte, tradição – basta ver o calendário.
  • Nação: Terra Prometida, aspirada e sonhada – nos percebemos como uma grande família.
  1. Solidariedade: somos todos responsáveis uns pelos outros. O individual é um elo – lutamos por comunidade, caridade, justiça. Fazemos isso por Israel e sabemos que Israel também o faz por nós.
  1. Educação: transferimos conhecimentos por gerações e começamos a fazer isso antes de todas as outras tribos. Lembremos do Seder de Pessach que repetimos há séculos entre nós. Os alcances intelectuais desta prática são infinitos.
  1. Compaixão: cuidamos dos mais fracos, dos mais desprotegidos – órfãos, viúvas, crianças, idosos, doentes, animais.
  1. Tolerância: 613 mitzvot, mas nunca tudo ou nada – Col Nidrei: “aqui congregamos com os afastados”.
  1. A melhor sugestão para completar a lista é uma maravilha futura, justamente manter as demais 6 para o futuro! Gostaria de concentrar esta mensagem neste desafio da sétima maravilha: o que pensamos e fazemos na CIP por ela.

Recentemente tenho me interessado e me aprofundado pelas teses desenvolvidas por Tal Keinan, autor do livro “God is in the Crowd” e com quem tenho trocado ideias com muita frequência, buscando inspiração para nossas iniciativas aqui na CIP.

Tal chegou à conclusão depois de muitos estudos e experiências, que o judaísmo encontra-se em uma encruzilhada e a placa da esquina diz: must there be jews?    Devem haver judeus? Faz diferença a existência de Judeus?

A resposta deveria ser “sim” e as maravilhas são justamente os porquês que justificam este sinal.

Aqui na CIP, temos a oportunidade de participar ativamente desta escolha. Aliás, temos, na minha opinião, obrigação e responsabilidade com isso. Estamos aqui para Congregar, Inspirar e Perpetuar! (CIP)

Nesses mais de 50 séculos de existência, nosso problema e maior risco foram nossos algozes, perseguidores e destruidores. Entretanto, nosso maior inimigo hoje, aqui e agora – vem de dentro e chama-se indiferença ou desinteresse.

Em seu livro, Tal Keinan enfatiza que o desinteresse, combinado com a facilidade de nos assimilar entre outras tribos, reduz perigosamente a massa crítica mínima que permite a continuidade de nossa identidade particular. Temos, portanto, uma janela de oportunidade para que uma grande quantidade de judeus contemplem o valor de sua herança – digo para nós, aqui e nossos amigos que não vieram. 

Nossos pais, avós e antepassados construíram esse patrimônio, que tem influência sobre nós como indivíduos, sobre nossa comunidade e, até mesmo, sobre toda a humanidade. Há um toque de judaísmo no cristianismo, na filosofia, nas artes, na ciência e em todos os campos.

Se o povo judeu deve seguir em frente, o judaísmo precisa – tem que – recuperar sua relevância para os indivíduos, restabelecendo seu valor e encontrando a causa comum para uma massa crítica de participantes. Isso só acontecerá por meio da contínua evolução do pensamento e da prática  judaicos. Em uma época de opções pessoais praticamente ilimitadas, nossas escolhas como uma comunidade são dramáticas:

Ou criamos sentido, propósito, meaning no judaísmo ou teremos que aceitar a sua extinção.

Não preciso dizer que aqui não concordamos com a tese de que os ortodoxos serão os herdeiros únicos da continuidade – mas isso é assunto para outra ocasião. A modernidade não é a declaração de morte de nossa história. Se os tempos modernos extinguirem o judaísmo, com a nossa conivência, junto seriam extintas as especiais contribuições feitas para a humanidade ao longo de toda a sua história.

A indiferença que mencionei e que ameaça nossa massa crítica mínima para a continuidade do judaísmo está em todas as nossas estatísticas, e são fatos:

  • quantidade de associados em nossas instituições;
  • quantidade de alunos em nossas escolas;
  • casamentos mistos com pouca ou nenhuma inclusão;
  • conversões difíceis e excludentes;
  • analfabetismo judaico em grande escala.

Temos portanto que encontrar a chave e reforçar a comunidade que a usa. Para os que têm esperança em um futuro para o povo judeu, o desafio está em criar e oferecer um modelo de judaísmo suficientemente atraente, para que seja abraçado com força pela maioria de nós.

Este modelo precisa manter fidelidade com as nossas tradições, porém, precisa ser compatível com as demandas individuais da modernidade. Para se manter relevante, o judaísmo precisa evoluir, continuar produzindo sabedoria, novas respostas para novas perguntas, assim como fizeram nossos antepassados.

Precisa fazer brilhar os olhos de nossa juventude – mais de 700 mil jovens visitaram Israel pela primeira vez por meio do projeto Taglit, desde que ele foi criado há 18 anos – eles voltam de lá arrepiados e interessados, despertando-se para a curiosidade sobre sua herança milenar.

Em julho, de um grupo de 370 pessoas, 40 voltaram interessados em fazer Bar Mitzvá. E os jovens que, por acaso, se apaixonem por pessoas de outras tribos? Precisamos ajudá-los a criar uma família entusiasmada e orgulhosa de suas raízes judaicas – na liturgia, na espiritualidade, no propósito da vida, na cultura, na educação e na justiça social para todos.

Aqui entra a CIP, e aqui entramos todos nós!

Somos o judaísmo mais compatível com a modernidade de nossa comunidade. Sabemos honrar nossas tradições e debater a sua relação com a modernidade. Temos história, capacidade, conteúdo – apenas estamos aquém da massa crítica.

Nestas Grandes Festas passamos de duas mil pessoas, na sinagoga e no salão. Embora animados e interessados, somos muito menos no restante do ano. Além disso, existem, ainda muitos mais que nem aqui vieram – para todos eles, vocês e nós , temos uma chave.

Nossos planos incluem expandir o alcance do judaísmo que praticamos a novas localidades físicas, novas acessibilidades digitais e novos campos de debates intelectuais.

Queremos ser ainda mais inclusivos – trazer para dentro efetivamente os nascidos judeus, porém ainda não muito motivados; os convertidos, os misturados, enfim, todos os que tiverem curiosidade pelo enigma da história judaica, seus princípios e valores particulares e universais.

A semente está em muito boas condições. Movimentos juvenis vibrantes (500 jovens em nossas colônias de férias e movimentos), centenas de outros em preparação para Bar e Bat. Forte atuação em justiça social com o Lar das Crianças crianças, atingindo 500 crianças e adolescentes da comunidade carente. Muito bom, apenas insuficiente.

Para concluir, quero destacar um nome especial de nossa herança histórica, Iehuda Hanassi. Preservado por não ter participado da revolta contra os romanos no ano 135, ele se dedica a codificar a lei oral, ciente de sua importância crítica a partir da inexistência do templo e da dispersão do povo.

Iehuda Hanassi compila a Mishná, que junto com a Guemará viria a formar o Talmud. Essa foi a chave que ele encontrou para assegurar a sobrevivência do judaísmo ao longo dos 19 séculos que o sucederam. Se somos alguma coisa, o somos pelo que ali consta, pelas discussões, debates, ideias, ensinamentos, aprofundamentos da Torah – está em nosso DNA!

Tal Keinan em seu livro, afirma que se Iehuda voltasse agora por aqui, por um lado ficaria perplexo com o impacto de sua obra para a continuidade de seu povo por 20 séculos. Mas por outro lado, nos colocaria a seguinte pergunta: após 2 mil anos, com seus antepassados fazendo o que fizeram para trazer isso tudo até aqui – quem são vocês, desta geração, para acabar com isso tudo? 

Quem somos nós para ousar escrever o último capítulo?

Aqui na CIP temos uma chave. Se depender de nós teremos a resposta de nossa geração a altura de Iehuda – aqui Congregamos para Inspirar e aqui Inspiramos para Perpetuar.

Convoco todos aqui a refletirem ao final do nosso jejum sobre o que estão fazendo individualmente para honrar a nossa história. Pensem em participar e ajudar a construir a tal massa crítica. Reflitam sobre as opções para atuar no individual e no coletivo.

Sugiro também, escolher uma única atitude ou uma nova iniciativa judaica, e focar na sua incorporação em suas rotinas individuais. Façam suas escolhas, mas coloquem mais judaísmo em suas vidas! Por que não, de vez em quando que seja um Shemá, uma tzedaká, um debate em família sobre Israel e judaísmo, um Cabalat Shabat ou um Shabat inteiro, um livro, uma aula!

Juntos, em coletividade, vamos deixar Iehuda Hanassi, o autor da Mishná perplexo e orgulhoso do que os judeus conseguiram fazer nos próximos 20 séculos também!

Be shi’va shel mala e be shi’va shel mata: em cumprimento do juízo celeste e do juízo terrestre

Aqui precisamos congregar os que se afastaram do judaísmo, os que estão no caminho do afastamento,e os que querem participar.

Gmar Chatimá Tová, 

Mário Fleck