No colegial argentino desprezávamos os livros que insistiam em descrever as figuras históricas como perfeitas. Ninguém errava, ninguém tinha instintos, nem misérias, nem desejos, nem paixões. Por isso a história acabava sendo inacreditável, as figuras inumanas e, portanto, ninguém podia ver nelas modelo algum de identificação.

A Torá faz questão de contar os erros de cada um de seus protagonistas. Inclusive dos mais venerados e admiráveis. Adão comeu do fruto proibido; Noé se preocupou apenas consigo mesmo; Abraão esteve disposto a sacrificar seu filho e a entregar sua esposa para salvar sua vida; Moisés foi colérico; David mandou matar o marido da mulher que desejava.

Na parashá da semana, o povo perde a fé e constrói um ídolo com suas próprias mãos. Ostenta a miséria de adorar sua própria obra e deificar seus próprios objetos, ao invés de se atrever a aspirar metas e modelos para além de si. Moisés, num ataque de cólera, quebra as tábuas e corta o vínculo entre Deus e o povo, que devia sustentar. 

Até o próprio Deus recua no relato bíblico, se arrepende, muda. E, no Talmud, até reza para ser mais compassivo do que colérico.

Os erros vêm junto com os acertos e compõem a descrição de modelos admiráveis que servem de exemplo. Talvez, justamente por errar, é que servem de exemplo. Pois é desse modo que se tornam acreditáveis e que o leitor pode se identificar com eles.

Não é através da perfeição completa que as fontes judaicas pretendem aperfeiçoar o ser humano. É por meio do reconhecimento da imperfeição que será possível lidar com ela e trabalhá-la. O arrogante não pode aprender, porque não tem espaço para receber e crescer, e tampouco pode ensinar, pois a pretendida perfeição cria um espaço imenso demais a respeito de qualquer pessoa. 

Assim, Avraham consegue enfrentar Deus justamente quando se reconhece como pó da terra (Gênesis 19), Moisés é escolhido profeta quando se pergunta “quem sou eu para representar Deus diante do faraó e do povo?” (Êxodo 3), Saul é nomeado rei por se ver pequeno diante de seus próprios olhos (I Samuel 15:17).

Que possamos abraçar nossa imperfeição com sinceridade e coragem aspirando ao mesmo tempo com paixão a nosso constante aperfeiçoamento.

 

Shabat Shalom,

Rabino Ruben Sternschein